Capítulo II

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Amanheceu a famosa quinta como um dia daqueles preguiçosos e sonolentos, que dá vontade de ficar todo enrolado nas cobertas. Fazia frio e, de hora em hora, caiam alguns pingos ameaçando dar uma boa chuvarada. Havia pouco movimento nas estreitas ruas pavimentadas com paralelepípedos, a não ser por um gato aqui, outro cachorro ali, fugindo do tempo amistoso. Na loja de discos, só Cadu e seu cachorro, um basset, desses que arrasta as orelhas no chão. Na pensão de Seu Marciano, onde estava hospedado, o jovem Augusto esperava a chuva que não vinha. Pensou em ir até a loja de discos, mas desanimou quando olhou para a vitrola encostada. Não queria ficar parado, mas não tinha pra onde ir. Não conhecia ninguém, nem alguém a ele. Se fosse ao menos de noite, teria o cinema como opção. Mas era dia, já quase meio dia.

— Seu moço? Tem galinha caipira hoje e costela de porco. Vai querer o quê?

Era a estridente esposa de Seu Marciano, a simpática Dona Teresa, lhe tirando de seus devaneios com um chamado que parecia um grito.

— Só os miúdos da galinha, Dona Teresa! Obrigado.

— Pois pode descer que já vai ser servido.

E foi. Almoçou seus miúdos com puro feijão e suco de laranja. Após o almoço, pegou um pedaço de queijo coalho com um punhado de farinha para tirar o gosto e um copo d'água. Terminada a comilança, foi esticar as pernas. Pegou um livro de Castro Alves, Espumas Flutuantes, e foi ler em um dos bancos de madeira da arborizada praça central, que ficava em frente à loja de discos.

Por essas horas, Carmelita já tinha almoçado e tentava repousar em seu pequeno quarto, decorado com uma espécie de papel de parede de flores claras, num leve misto de salmão com rosa. Seus livros habitavam uma pequena estante marfim, esculpida a mando de Seu Zé Bonifácio, no aniversário de quinze anos da filha tão cândida. A luz do sol teimava em atravessar a cortina lilás que transformava seu quarto numa obra de arte, iluminado pelo ângulo artista do astro.

O intocável corpo, no despertar do sentir, está absurdamente conectado com o pensar. A imaginação flui tal qual o sangue que se encaminha para algumas zonas específicas do corpo. Essas partes incham, aumentam, se tornam extremamente sensíveis. O coração sente que há algo diferente, e descompassa. Arrepios tomam conta da pele que clama por algo inexistente.

Carmelita estava inquieta em seu quarto. Bebeu um pouco de água e se sentou em frente ao espelho. Suas delicadas mãos pegaram a escova de cabelo e começaram a desalinhar os fios, numa tentativa narcisista de fazer o tempo passar. Ela sorria ao lembrar dos poucos detalhes que vira em Augusto. O longo cabelo dele, ah! Que belo cabelo... O rosto bem desenhado... A estatura... Seu peito começou a bater mais rápido, tão logo sentiu o rubor quente do rosto invadir outras partes.

Como podia estar se sentindo assim por alguém que vira somente uma vez? Ela tinha uma idealização do homem que queria, e ele estava ali, na sua cidade tão odiada. Seus olhos se fecharam enquanto um leve sorriso brotou de sua face angelical. Com o calor que seu corpo emanava, seus dedos começaram a agir por impulso.

Sua mão direita foi-se ao pescoço, que fez um movimento giratório, buscando um alívio indecente. Ainda sentada, levou a outra mão para sua extremidade abaixo da virilha que ardia num calor especial. Sua respiração indicava o poder da imaginação sobre seu corpo, que lhe desobedecia de um jeito bom. Mais outro sorriso brotou ao descer sua veste íntima e sentir com os dedos a existência de uma umidade assustadora. Ela não conseguia parar de pensar em Augusto.

Ah, Augusto! Carmelita imaginou que sentia as grandes mãos de Augusto por seu corpo pequeno e imaculado. Era puro desejo, luxúria, vontade de algo proibido. Seus dedos passearam na superfície de seu sexo, decorado com minúsculos pelos dotados. O estremecer da pele denunciava seu prazer sôfrego.

Caso Sinta Frioحيث تعيش القصص. اكتشف الآن