Capítulo 2: Monstro do armário

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— E o que lhe faz pensar que nós vamos aceitar você como nossa professora? — Eric Cartman foi o primeiro a falar.

Ele jazia sentado em sua cadeira, mantendo seus pés em cima da carteira em uma posição nitidamente desleixada e que deixava notório seu desrespeito em relação a professora, além de posicionar seus braços atrás da cabeça, encarando Elizabeth Stephenson nos olhos, em forma de desafio.

A professora deixou o giz em descanso, batendo um par de palmas para espantar aquela pequena quantidade de pó branco que ficou em seus dedos por um par de segundos, e caminhou entre as fileiras de carteiras, seu rosto havia retornado a seriedade assim que teria ouvido a afronta que seu aluno teria lhe dirigido.

Em seu caminho, ela tocava os ombros daqueles que estavam sentados erroneamente ou apenas estavam de pé e sussurrava para que se sentassem. Nenhum deles fez o favor de obedecer, ela sentia entre os poros de sua pele que eles a esnobavam, a desprezavam.

— Não precisam me aceitar, não são meus chefes — Ela disse, assim que se aproximou da carteira do garoto, seu tom era firme e o olhar, cortante — Eu já fui aceita como a professora de vocês, querem vocês queiram... Ou não.

Elizabeth tocou os pés de Cartman, retirando-os à força de cima da mesa. Ela viu a raiva se intensificar no olhar do adolescente e isso só a fez sorrir, em falsa gentileza.

— Agora, todos que não tiverem sentados adequadamente terão o triplo de dever de casa.

Os primeiros tempos foram torturantes; a voz da nova professora provocava sono na maioria dos alunos, porém, ela sempre conseguia notar quando alguém estava com a atenção mais distante e a cada mínimo erro de algum deles, a lição deles aumentava vagarosamente.

Assim que o sinal para o almoço tocou, ela apenas viu eles se erguendo rapidamente de suas carteiras, sem deixá-la terminar a explicação sobre aquela parte da matéria e corriam para fora da sala. Pegavam o dinheiro para o lanche de forma um tanto apressada e ela apenas ficou ali, olhando-os sair em disparada para encher o estômago com a comida gordurosa e mal preparada do refeitório.

Elizabeth sorriu sozinha com o pensamento que teve ao associá-los a galinhas que correm de seu destino, mesmo depois de mortas. Eles seriam obrigados a voltar para a sala de aula depois do almoço. Eles interrompendo sua linha de raciocínio e saindo feito um bando de garotinhos de nove anos mal educados não alterava em nada seus sentimentos, afinal, eles se formarem ou não estava em suas finas e gélidas mãos.

Mas não era como se a Stephenson tivesse um coração ruim, ela só gostava de retribuir tudo que recebia, na mesma moeda.

Elizabeth amava o conceito de karma.

[ ... ]

Os adolescentes enfrentaram a grandiosa fila para pegarem seus almoços, já sussurrando entre si sobre a professora esquisita. Eles foram se aglomerando em uma das mesas, puxando cadeiras das que estavam ao redor e, boa parte, estava em pé e segurava a bandeja.

— O que era aquela mulher?

Começou Tolkien, ainda meio estarrecido com a presença da nova tutora da classe.

— Ela é assustadora! — Dizia Tweek, que era um dos que estariam de pé, porém ele se localizava logo atrás de seu namorado, que estaria sentado — Parece que vai nos matar a qualquer momento.

Ninguém havia gostado dela, nenhuma pessoa tentou defendê-la. Nem mesmo Wendy que, normalmente, era a maior defensora de quase qualquer um, Cartman era a exceção de todos.

Clyde engoliu um pouco de sua pizza gordurosa e ergueu a mão para chamar a atenção da maioria.

— Caras, ela tem um mérito. Ela fez o Cartman ficar sem palavras!

Eric Cartman mantivera-se em silêncio até aquele momento, apenas remoendo-se a vergonha e a humilhação que a vadia daquela professora havia o feito passar. Ele era Eric FODENDO Cartman e jamais aceitaria que uma mulher miserável daqueles fizesse o que bem entendesse consigo.

Porém, a fala risonha de Clyde Donovan — o popularmente conhecido como atleta chorão — o fez prestar mais atenção no diálogo.

— Ao invés de ficar pendurado na porra do meu saco, o que acham de aprenderem a fazer conta de somar? — Seu tom era irritadiço, o gorducho falava enquanto amassava com força o guardanapo jazente em sua destra — Butters e o Kenny saíram de fininho e vocês nem viram, bando de otários.

Cartman se ergueu de sua carteira e foi se distanciando deles enquanto reclamava baixo sobre como aquele dia havia começado tão bem para si e, àquela altura, já se encontrava sendo um dia extremamente merda.

Só perdia para quando descobriu que seu pai era ruivo.

O grupo apenas se entreolhou e retornaram para o debate que trocavam avidamente acerca daquela professora tenebrosa, e também, sobre Gabrielle Willow.

— Ela era tão gentil e parecia tão feliz dando aula para gente — Bebe Stevens suspirou — Não faz sentido!

— Às vezes ela pode só ter conseguido uma oferta de emprego melhor. Qualquer lugar deve ser melhor de dar aula do que aqui em South Park.

[ ... ]

Leopold e Kenny estavam escondidos na parte de trás da escola, ambos sentados no chão enquanto faziam companhia um para o outro conforme ingeriam os cigarros de nicotina. Eles trocavam olhares e de vez em quando enlaçavam os dedos em meio a uma conversa sobre algum assunto aleatório.

Leo estava sentado de maneira despojada no colo do jovem McCormick enquanto falava de maneira empolgada sobre o episódio de uma série que estava assistindo, mas acabaram sendo interrompidos pela chegada de Kyle e Stan, que sem mais nem menos sentaram-se ao lado deles.

O quarteto ficou ali, apenas aproveitando suas devidas companhias. Todos optando por manterem-se um tanto alheios com aquela situação, até que Kyle quebra o silêncio;

— A professora me lembra aquele monstro do armário que eu tinha na infância — Logo após os dizeres seus amigos, e ele mesmo, riram daquela piada infame — É sério! Era todo magricela, tinha um sorriso largo e medonho além de alguns espinhos nas costas. Mas tinha exatamente o mesmo olhar da senhorita Stephenson. 

PadecerWhere stories live. Discover now