Capítulo 3

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KALEO

Eu poderia dublar as próximas palavras que sairiam da boca carnuda da jornalista sentada à minha frente no sofá. Era sempre o mesmo roteiro. Eu não conseguia entender como tantas matérias diferentes sobre mim davam audiência se eu oferecia sempre as mesmas respostas. O assunto que rendia mais cliques também nunca mudava: a vida amorosa de Kaleo Miller. A parte da minha existência que mais interessava ao mundo era uma grande mentira. Eu era mesmo uma farsa.

— Pode começar — disse para a repórter depois de tomar um gole da minha água.

Eu estava sentado em uma cadeira de frente para o sofá que ela ocupava. Ao meu lado, a cadeira vazia indicava a ausência de última hora do meu carma. A jornalista sorriu, ajustou o decote e piscou os longos cílios para mim. Era uma armadilha. O site de fofocas para o qual ela trabalhava era conhecido por usar os fins para justificar os meios.

Apesar de não retribuir o sorriso, eu gostaria de perguntar se ela queria ouvir de novo a permissão para começar, só que na cama, ajoelhada entre as minhas pernas. A cena evaporou da minha mente com a consciência de que isso seria o fim do meu maldito namoro de mentira com Lorelay. A repórter não sossegaria até colocar a boca no trombone. Eu já podia prever a manchete: "O fim de #Kalay: não era amor, era fachada".

— Eu preciso começar do começo — ela sorriu. — Quando você decidiu ser ator?

Nossa, que pergunta inesperada, não?

— Eu não decidi.

Ela piscou nervosa e olhou para o bloco, talvez procurando alguma pergunta que me fizesse responder mais de três palavras. Eu sempre fui um péssimo entrevistado e todo mundo sabia disso.

— Foi o casal Fox que te revelou?

— Foi.

Ela olhou para o bloco de novo e pigarreou.

— A carreira de ator fez de você um influenciador digital...

— Não sou um influenciador digital.

— Por que não?

— Porque eu não quero acreditar que as pessoas são influenciáveis.

— Mas você alimenta o seu perfil nas redes.

— Eu posto fotos ali quando dá, em consideração ao meu público. Só isso.

— Um público de dez milhões de pessoas. Acha mesmo que você não influencia toda essa gente?

— Não deveria pelo menos.

— Por quê?

—  Porque cada um tem a sua história e eu não sou uma boa influência.

— Você acha que esse seu jeito autêntico — ela quis dizer escroto. — ...foi o que te fez deslanchar?

— Não.

Ela pigarreou de novo.

— Alguns dizem que foram as cenas sem camisa.

— Talvez.

Eu juro que respeitava os atores, mas eu tinha total consciência de que noventa por cento do meu público tinha sido angariado pela minha aparência. Nunca consegui concordar quando me chamavam de talentoso.

— Eu acho que as cenas ajudaram bastante — ela deu uma risadinha e eu senti falta da jornalista da semana passada. Aquela tinha ética. — Mas seu namoro com a Lore também ajudou, né?

Lorelay. Quando aquela patricinha loira me procurou com a ideia maluca de fingir ser minha namorada para a mídia, eu neguei com firmeza. Mas quando a garota me mostrou as cifras que o seu nome envolvia no mercado publicitário, eu precisei pagar para ver. Posso ser antipático, mas não sou burro.

Coração Influencer [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now