Capítulo 7

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O dia amanheceu lindo no dia da partida de Lorelay. Enquanto eu tomava meu café na cadeira de balanço da varanda, aproveitando os últimos momentos sendo eu mesma, um fato aleatório me veio à mente: Carmen Miranda já foi minha vizinha. Bom, não foi no mesmo lapso de vida, mas saber que ela já morou ao lado da minha casa tornava a minha herança menos melancólica. Do outro lado do meu velho casarão de três andares ficava um convento. Sim, uma vizinhança bem peculiar.

Havia algumas vantagens de morar sozinha em Santa Teresa, um bairro construído nas alturas do Rio de Janeiro. A vista espetacular para o Pão de Açúcar era uma delas. Eu sempre gostei de esticar o pé e fazer de conta que estava pisando no monumento, como tinha acabado de fazer, admirando o dia de sol em que Lorelay iria cometer a loucura de se despencar para a Holanda.

Levantei da cadeira e apoiei a xícara no parapeito da varanda do terceiro andar, pensando que a essa altura ela já estava no aeroporto. Olhei para o jardim do convento lá embaixo, lotado de mulheres vestidas de preto e branco e com terços em punho. Eu dei nome a todas as freiras, apesar de não conhecer nenhuma. Será que se eu contasse que estava há anos sem transar, elas me considerariam uma delas? Meneei a cabeça. Às vezes meus pensamentos tomavam rumos desastrosos.

Uma das freiras do convento chamava a minha atenção em especial. Irmã Livrinho, como eu a apelidava em pensamento, estava sempre lendo a bíblia no jardim, mas as expressões faciais que fazia não eram de alguém que estava lendo versículos. Eu jurava ter visto ela se abanar algumas vezes enquanto lia. Podia apostar que havia algum romance de cowboy escondido no livro sagrado.

Quanta blasfêmia.

Olhei para o relógio fino no meu braço e caminhei em direção à suíte. Tomei um banho, vesti uma calça jeans e camisa de malha, como sempre, e saí às pressas para chegar a tempo no colégio. Eram as minhas últimas horas sendo Raquel e só me restava uma manhã para resolver toda a minha vida. Até então, eu só havia mandado um e-mail para Mirna e outro para Andrew com explicações e soluções para o meu pedido repentino de afastamento. É claro que Mirna não estava nem um pouco contente quando cheguei na sala da diretoria para falar com ela.

— Posso entrar? — perguntei ao abrir um pouco a porta.

Ela estava sentada analisando papéis e me olhou por cima dos óculos apoiados no nariz, estreitando os olhos.

— Eu espero que a senhorita tenha vindo me dizer que aquele e-mail foi uma brincadeira de péssimo gosto.

Sentei na cadeira acolchoada na frente da sua mesa e abri um sorriso. Eu precisava soar convincente, mas sempre fui uma péssima mentirosa. Vicente sempre me dizia isso.

— Minha tia está doente, Mirna. Preciso mesmo dessas férias. Foi de uma hora para outra.

Ela me estudou por alguns segundos com os lábios franzidos e pintados com batom cor de vinho.

— Só vou te perdoar porque também estou com o pé na cova e espero que alguma das minhas sobrinhas tenha compaixão de mim quando chegar a hora.

— Não fale assim, você está ótima.

Ela riu, mas a risada virou uma tossida, que emendou em outra. Tudo em Mirna transmitia a mensagem do cigarro: a voz rouca, a pele opaca, o pulmão detonado.

— Você mente mal — ela se recuperou e voltou a assinar os papéis. — Eu estou péssima.

— Não diga isso.

— Você fuma? — ela perguntou.

— Você sabe que não.

— Continue assim. Fumar mata.

Coração Influencer [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now