Capítulo 9

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O barulho da campainha de Lorelay me fez dar um pulo no sofá. Olhei para o meu colo e percebi com os olhos turvos de sono que eu estava lotada de pipoca sobre o corpo. O som alto parou de repente, mas segundos depois alguém estava destrancando a fechadura. Levantei em outro pulo e corri até a porta da sala, mas estaquei quando ela se abriu diante de mim.

— Eu pedi para você não se atrasar — ele bradou.

Ai. Meu. Deus.

Pisquei três vezes para a figura de Kaleo Miller diante de mim, me vendo de touca de cetim e um blusão velho de dormir. Ele franziu de leve as sobrancelhas e por um momento achei que ia ser desmascarada. Mas para minha sorte, o seu estresse parecia ser maior que a curiosidade.

Antes que eu pudesse raciocinar o que dizer, sua aparência varreu todos os meus sentidos, me impedindo de pronunciar qualquer palavra. Ele era mais alto do que eu imaginava, mas o corpo atlético, que eu achava ser resultado de algum efeito televisivo, era muito, muito, muito real. Cada pedaço do seu peito largo se desenhava sob o tecido de malha da camisa preta, com uma correntinha pendendo sobre o coração. É claro que ele usava uma correntinha. Esse era o selo problema de qualidade. E Kaleo Miller era um problemão. Um problemão que agora me olhava nos olhos.

— Você tá me secando? — ele olhou para o próprio corpo, com o rosto inteiro contraído.

Droga, como eu estava dando bandeira nesse grau? Kaleo não fazia o tipo de Lorelay. Se algum dia minha irmã flertasse com ele, seria por puro deboche, como ela fazia com qualquer ser da espécie masculina. Lorelay gostava de homens sensíveis e com cara de bunda de neném. Ela precisava controlá-los e Kaleo não era o tipo que aceitaria ser capacho de mulher. Cada célula do rosto sério me encarando dizia isso.

— Não — disse baixo, mas logo me recompus, cruzando os braços sobre o meu peito. — Só estou tentando entender por que você tá aí todo nervoso parado na minha porta a essa hora da manhã.

Nervoso? Eu tô puto, Lorelay. Puto pra caralho.

Nossa, que linguajar. Se ele fosse uma das minhas crianças, ficaria de castigo escrevendo "não devo xingar" trinta vezes em um caderno de dez matérias. Eu sempre gostei das formas tradicionais de aprendizagem.

— E posso saber o que eu tenho a ver com isso? — inclinei a cabeça para o lado e arqueei uma sobrancelha.

Ele soltou o ar pela boca com força e passou por mim, subindo as escadas. O que ele estava fazendo? Arfei com a intrusão e quis expulsá-lo, mas então cogitei que Kaleo e minha irmã pudessem ter intimidade para isso. Se fosse verdade, tinha coisas nessa história que ela não estava me contando.

— Onde está a sua mala?

— Que mala?

— Não é possível. Você bateu a cabeça ou cheirou trinta carreiras de pó de novo? Era para você ter me encontrado no aeroporto há uma hora.

Pisquei três vezes. Aeroporto? Pó? Minha irmã cheirava pó?

Diante da minha expressão atônita e imóvel, ele respirou fundo de novo, marchou até o guarda-roupas, tirou a mala do compartimento do alto, a jogou no chão e abriu. Depois puxou a gaveta de biquínis minúsculos e começou a tirar vários de dentro. Senti minha boca ficar seca enquanto ele colocava as peças dentro da mala, como se já tivesse feito isso outras vezes. Kaleo jogou dois shorts jeans, um chapéu e um protetor solar por cima das roupas e fechou o zíper.

— O resto das coisas a assessoria vai mandar entregar em Fernando de Noronha. Você pelo menos lembra onde está seu documento?

— Fernando de Noronha? — ecoei.

Ele me encarou exasperado e minha ficha caiu. Ah, meu Deus. Lorelay e Kaleo tinham uma viagem marcada para Fernando de Noronha e aquela vaca simplesmente não me disse nada. Por isso a agenda não tinha chegado por e-mail no dia anterior. Ela mentiu para mim.

Eu queria esganar Lorelay até os olhos dela pularem para fora. Eu não conhecia a minha própria irmã e isso estava muito cristalino agora. Além de ser uma mentirosa, ela era uma...uma drogada? A ponto do seu namorado de mentira ter que fazer as suas malas e achar aceitável ela não saber onde estão os próprios documentos? Eu queria colocar aquela garota de castigo e fazê-la escrever "Eu sou a pior das vacas e vou me explicar agora" em t-o-d-a-s as folhas de um caderno de dez matérias.

— Sim. Eu sei onde está meu documento — respondi, me dando conta de que eu estava parada feito uma tonta na frente dele. Mas em vez de estar impaciente, ele agora estava novamente concentrado em algo no meu rosto.

— O que você fez na cara?

Ah, que ótimo. Ouvir que estava feia era tudo que eu precisava escutar. Isso sem contar a chance de ser descoberta.

— Reverti os procedimentos estéticos — ergui o queixo, decidida a não deixar ele me rebaixar.

— Ficou melhor — ele disse devagar e me deu uma última olhada antes de caminhar em direção à porta. — Você tem dez minutos para me encontrar lá embaixo.

Caí sentada na cama quando ele bateu a porta e saiu. Peguei o celular e digitei uma mensagem furiosa para Lorelay:

Eu vou te matar.

Dois segundos depois ela me respondeu.

[Lore] Por te mandar com um gato para Fernando de Noronha? De nada.

[Eu] Você mentiu para mim.

[Lore] Não menti, eu omiti. Você é professora de português, sabe a diferença melhor que eu.

[Eu] Agradeça a Deus por você estar a milhas de distância, sua energúmena.

[Lore] HAHAHA eu amo seus xingamentos.

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⏰ Last updated: Mar 18, 2023 ⏰

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