Capítulo 5

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KALEO

Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens e estará sujeita à cobrança após o sinal.

Se eu ouvisse a gravação mais uma vez, seria capaz de pegar um avião para a Tailândia, jogar Morgana sobre os ombros e trazê-la de volta à força para conversar sobre a possível cagada que fizemos juntos.

Sentei no banco do calçadão da Praia de Copacabana e esperei dez minutos até tentar ligar de novo, deixando a água de coco descer gelada pela minha garganta. Olhei para dois caras rindo em cima de uma prancha de stand-up paddle no mar à minha frente.

Aposto que a camisinha deles nunca estourou.

Eu tinha corrido dez quilômetros, nadado seis, feito 60 barras, 30 flexões e sorrir era última coisa que eu seria capaz de fazer. Disquei o número de novo e dessa vez o telefone chamou. Estiquei o corpo em alerta, torcendo para que ela me atendesse.

— Oi, gato.

Até que enfim.

— Eu espero que você tenha uma desculpa muito boa para não ter me atendido por uma semana, Morgana.

— Ah, foi mal. Esse chip internacional não funcionava direito lá na Tailândia. Aqui pega melhor.

— Aqui onde?

— Na Índia.

Eu precisei me controlar muito para não explodir.

— Morgana — cerrei os dentes. — Que história é essa de Índia? Você me disse que estava vindo da Tailândia direto para o Brasil. A gente precisa conversar.

— Você acredita que o Taj-Mahal foi o marido que construiu em cima do túmulo da esposa? Tipo, depois que ela morreu? Fala sério, tem que ser muito bundão para fazer um negócio desse. Aposto que quando a mulher era viva ele era um pulha.

— Você vai continuar ignorando o fato até quando? — me levantei.

— Ai, Kaleo, relaxa aí. Eu não tô grávida. Quantas vezes vou ter que te dizer isso?

— Você me disse semana passada que sua menstruação não desceu desde que você saiu do Brasil. Isso tem três meses. Três meses, Morgana. Eu posso não entender porra nenhuma do universo feminino, mas isso só pode significar que você está grávida.

— Eu falei isso porque você não parava de me perguntar. Mas podem ser vários fatores. Relaxa, gatão. Não tô grávida. Acredite na minha intuição.

— Intuição, Morgana? Você já ouviu falar em biologia? A gente transou um dia antes de você pisar no aeroporto. A camisinha estourou. Eu vou ter que te lembrar cada detalhe daquela noite?

— Por favor, não. Ainda não acredito que aquilo rolou entre a gente, amigo. Nunca mais podemos comer brownie de maconha.

Três fatos explicavam essa tragédia: 1) Ela não me contou que tinha maconha no brownie 2) Ela se jogou pelada em cima de mim 3) Eu sou homem.

Eu ainda acrescentaria como quarto fato o maldito namoro de fachada com Lorelay. Se não fosse tão difícil transar com alguém sem ser cancelado por traição e aturar trezentos jornalistas na minha cola, eu jamais teria cedido quando Morgana me atacou.

— Mas até que foi divertido. Você tem uma preciosidade entre essas pernas. Podiam colocar seu amiguinho no lugar do Taj Mahal. Isso sim seria um monumento. Um monumento do caralho.

— Não ferra, Morgana.

Ela gargalhou e eu quase entrei na sua onda. A displicência dela para lidar com a vida sempre foi uma areia movediça que engolia quem não estivesse alerta.

— Você precisa fazer o teste.

— Sabia que a vaca é sagrada aqui? Sua namorada seria tipo Jesus.

— Não muda de assunto. Você precisa fazer o teste. Ouviu?

— Ouvi, gato.

— Então faça. E me liga de volta.

—  Sim, senhor.

— Vou esperar. Se você sumir de novo, eu vou atrás de você.

— Eu não duvido. Mas vem mesmo. Não deixa de vir não. Eu daria tudo para te ver dirigindo nessas ruas da Índia com a sua paciência incrível.

Não adiantava. Morgana era um caso perdido. O que esperar de uma nômade hippie que jurava ser descendente das bruxas só porque tinha o nome de uma?

Guardei o telefone no bolso e caminhei até a tenda branca de stand up paddle. A instrutora estava mexendo nas pranchas fincadas na areia, de costas para mim.

— Fernanda — falei e ela se virou ao ouvir minha voz.

— Oh, oi, Kaleo — ela quase deixou uma das pranchas cair no chão.

Então me lembrei da minha vida de antes. Uma vida sem Lorelay e seus vestidos de pavão, uma vida em que Morgana menstruava. Eu arrastaria Fernanda para trás da parede de pranchas da tenda, colocaria o seu biquíni para o lado e a foderia até seu corpo desfalecer nas minhas mãos, deixando a marca dos meus tapas na sua bunda. Mas foi justamente por não poder fazer nada parecido com isso que eu me encontrava na atual situação. Meneei a cabeça, espantando a frustração.

— Pode olhar minhas coisas enquanto eu mergulho? — perguntei.

— Ah — ela deu um sorriso murcho. — Posso.

Que ótimo negócio eu havia feito. Aceitar me amarrar em Lorelay tinha me dado centenas de milhares de reais, mas a minha vida estava fora dos trilhos. Por Deus, eu corria um sério risco de me tornar pai. A ideia de cuidar de um ser humano depois do que eu passei com meu pai me arrepiava só de pensar. Pelo menos só faltavam três meses para o trato com a maluca acabar. Eu precisava enxergar isso de forma otimista para não enlouquecer de raiva.

Mergulhei fundo no mar, sentindo o gelado da água dar um choque no meu corpo quente. Boiei na água de braços abertos, deixando o sol tocar meu rosto. Eu sempre tive muito respeito pelo mar, pelas águas capazes de acalmar até mesmo alguém como eu.

Tentei pensar em algo positivo para não chutar as hienas-do-stand-up-paddle-cuja-camisinha-jamais-estourou, já que essas continuavam rindo alto perto de mim.

A primeira temporada de "Zona de Perigo" havia chegado ao fim, o que me dava um mês inteiro de férias. Mesmo que esses dias livres significassem uma série de compromissos publicitários, eu estava me sentindo bem pela pausa nas gravações.

O ritmo da série era intenso, as cenas de ação em um estúdio de São Paulo haviam deixado uma série de hematomas no meu corpo. Joana Darc (sim, era o nome dela), a intérprete de Maria Alice e meu par na série, queria deixar outros tipos de hematomas em mim nos bastidores, mas a criatura era casada. Eu nunca fui um homem bom em seguir regras, mas essa eu jamais descumpri. Mulheres casadas sempre foram um terreno proibido para mim, por motivos pessoais.

Abri os olhos, deixei um raio de sol incomodarminha retina e os fechei de novo. As pequenas ondulações passavam embaixo dasminhas costas enquanto eu boiava. Eu ainda tinha um calhamaço de falas dasegunda temporada de "Zona de Perigo" para decorar, uma namorada postiça insuportável e uma amiga de infância supostamente grávida de mim enquanto comia animais duvidosos na Índia. Mas se fosse para pensar positivo uma vez na vida,era muito bom estar em casa.

Coração Influencer [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now