Jungkook abriu os olhos em pânico.
O nariz entupido o impediu de respirar quando já estava prestes a dormir e se ergueu rápido, assustado.
O instinto o fez querer acionar Taehyung no quarto de hotel ao lado, mas não queria incomodar o melhor amigo e assistente: já era a terceira ou quarta vez durante a turnê pelo Japão que chamava por ajuda durante a madrugada, apenas naquela semana.
Controlou a vontade de ligar e se deitou outra vez.
O peito estava inquieto. Odiava sair quando o tempo fechava, pois o nariz era sensível demais e temia dormir resfriado com o nariz congestionado, não conseguir respirar e morrer asfixiado.
Jungkook era — apenas — um pouco paranoico.
Já se passara um ano desde que seu psicólogo explicou a ele sobre o que era a hipocondria — uma obsessão por doenças que o fazia ter medo de ficar doente e morrer, fruto de sua ansiedade — e não teve qualquer melhora até então, pois constantemente vivia preocupado.
Voltou a se deitar no travesseiro macio do hotel, mas foi questão de segundos até fechar os olhos e perceber que não era capaz de respirar de boca fechada.
Levantou-se de vez e começou a caminhar pela suite.
Os passos dados eram tão fortes que logo ouviu uma batida leve na porta, sabia ser Taehyung do lado de fora.
O moreno abriu a porta e encontrou seu assistente de pijama listrado azul e o cabelo castanho caótico.
— Que tanto barulho é esse, Jungkook? — resmungou com os olhos quase fechando.
— Estou com medo de parar de respirar quando dormir. — falou ofegante, respirando pela boca.
— Tá, tudo bem. — Taehyung entrou no cômodo, Jungkook se afastou para deixá-lo passar e trancou a porta.
Seu melhor amigo já estava acostumado com suas peculiaridades e sempre sabia o que fazer.
Taehyung subiu a coberta grande e felpuda e começou a se ajeitar embaixo dela, decidido a dormir ali mesmo.
— Vem logo, JK... — falou sonolento e esticou o braço, chamando o moreno. — E desliga esse ar-condicionado.
— Oh... — Ele olhou ao redor da suíte e encontrou o controle prateado do aparelho em cima da estante. Foi até lá, desligou o ar e por fim voltou para a cama.
Jungkook puxou a coberta também para si e entrou na conchinha do melhor amigo, que o abraçou pela cintura.
— O hyung não precisa dormir aqui...
— Tomou seu remédio? — Taehyung ignorou o comentário do artista e se aconchegou na cama.
— Tomei, mas foi cedo.
— Por que tomou antes?
— Não sei. — buscou a mão grande do amigo e a apertou; Taehyung não reclamou. — Como o hyung me aguenta?
— A gente comia terra junto, já te conheço. — esforçou-se ao máximo para se manter acordado, pois enquanto Taehyung queria dormir, Jungkook estava mais acordado do que nunca: os olhos quase não piscavam.
— Yoongi-hyung também e ele não me suporta.
— Yoongi é um velho rabugento que não suporta nem a própria sombra, é só o jeito dele.
— Namjoon-hyung também não gosta mais de mim.
— Claro que ele gosta, Jungkook... — apertou a cintura do amigo. — Todo mundo gosta de você.
O moreno não respondeu, ainda estava convicto de que era odiado por todas as pessoas ao seu redor, por ser constantemente preocupado e obcecado com a possibilidade de ficar doente.
Taehyung respirou fundo e tirou a mão de sua cintura para passar em seus cabelos compridos.
— Ei, JK... Todo mundo te ama, tá bom? Seus amigos, seus pais, seus fãs, vê como adoram quando você faz live?
— É... — sorriu um pouco e se permitiu fechar os olhos, o carinho nos cabelos estava agradável e os dedos do melhor amigo eram grandes.
— Você tem uma sala na sua casa só com presentes e cartinhas, e como está aquela caixa só com as cartas dos seus fãs assumidos?
— Maior... — lembrou-se da coleção de depoimentos que juntava a cada mês, de fãs que contavam como Jungkook os ajudou a se aceitarem enquanto pessoas trans, pois amavam o artista e se sentiam encorajadas a se assumirem ao vê-lo.
— Então, tem muita gente que te ama e te acha legal, não se preocupa. Você não é insuportável, é só um pouco paranoico. — riu baixinho.
— Mas então... Por que toda hora alguém da minha equipe se demite? Vai acabar sobrando só o hyung... — Jungkook voltou ao seu estado melancólico.
Taehyung não poderia ser completamente transparente e cru nessas horas: não podia dizer que os staffs odiavam os pedidos do artista, muitas vezes considerados absurdos, e que era difícil acompanhá-lo porque Jungkook era ansioso demais e, ao mesmo tempo em que queria abraçar toda a sua agenda e até aumentar a programação, ao mesmo tempo queria se esconder de tudo se visse uma nuvem escura no céu a ponto de cancelar todos os compromissos pelo medo de ganhar um resfriado, que poderia evoluir para uma infecção generalizada e terminar com uma quase internação.
Porque Jungkook era assim: qualquer sinal estranho era motivo de dizer "é isso, não vou passar de hoje!".
Mas Taehyung não iria jogar isso na cara do amigo.
— Nós só não achamos gente com a disponibilidade que você precisa, Kook... Mas não se preocupe com isso, deixe que Hoseok cuide dessa parte, você precisa dormir para a entrevista de amanhã de manhã.
— Ah, Taehyung... — o moreno se lembrou de algo e o assistente já estava temendo o que viria a seguir.
— Sim?
— Pode cancelar a entrevista?
O homem se controlou para não suspirar frustrado.
— E por que quer cancelar?
— Não vou me sentir bem...
— Como sabe que não vai se sentir bem?
— Eu não sei, hyung, só quero que cancele. — Taehyung não podia ver o rosto de Jungkook, mas conseguia perfeitamente visualizar sua expressão emburrada.
Felizmente, os anos ao lado do garoto o ajudavam a amenizar aquelas situações.
— Jungkookie... — cessou o carinho nos cabelos e voltou a abraçá-lo pela cintura, por baixo da coberta. — Essa entrevista é importante, o governo japonês ainda não tem leis específicas de direitos para as pessoas trans e eles vão entrar nesse assunto com você. Não era por isso que queria ser um artista?
— É, mas... — buscou um argumento e não encontrou. — É, tem razão. Tem razão.
— Agora dorme, vai. Fecha os olhos. — esticou os dedos até o rosto do amigo e procurou suas pálpebras, forçado-o a fechá-las. — Vou saber se abrir os olhos. Dorme bem.
Por mais sonolento que Taehyung estivesse, só dormiu de fato quando notou o corpo de Jungkook pesar e sua respiração, apesar de falha, se intensificar.
Só então teve certeza de que estava tudo bem outra vez e se entregou ao sono, regado a sonhos rodeados de câmeras, fãs de Jungkook chamando seu nome, listas e mais listas de requisitos para a turnê, Hoseok e as ligações do RH tentando contratar mais pessoas para a equipe de staff e nuvens carregadas de chuva.
Não era fácil cuidar de Jeon Jungkook.
ESTÁ A LER
Supernovacane | Jikook
FanfictionTransgeneridade | Hipocondria Os holofotes fazem parte da vida de Jeon Jungkook desde que recebeu as honras de se tornar o primeiro ídolo musical transmasculino da Coreia do Sul. Contudo, ao mesmo tempo em que se tornou o artista mais queridinho dos...