Vegas

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Ando por todo apartamento, sem saber por onde começar.

Vou ao quarto dele e pego uma caixa de arquivo pequena na prateleira de seu closet. Eu sei que tem alguns documentos legais dele e Meg. Sento-me na cama e abro a tampa, ignorando a sensação de culpa. Essas são coisas pessoais dele e eu sinto que não deveria estar mexendo sem permissão.

Mas não tenho escolha.

Uma hora depois, coloco tudo de volta na caixa, deixando minha cabeça cair um pouco. Pete é muito bom em guardar informações. Pela primeira vez, entendo o quanto ele viveu perto da pobreza. Cada centavo que ele ganhava ia para Meg e seus cuidados. Consegui ver o quanto as despesas aumentaram e seus salários quase não mudavam. Ele teve de cortar cada vez mais de seus próprios gastos - mudando-se para lugares baratos, gastando o mínimo com necessidades diárias.

Repenso como eu o tratava no escritório, as coisas que ele tinha que lidar todo dia, como eu zombava de seus almoços - tudo isso me faz estremecer. A vergonha, quente e profunda, corre por todo o meu corpo. É um milagre ele ter me perdoado.

Fecho a tampa. Embora essa caixa tenha me deixado a par de muitas coisas, ela não me deu nenhuma pista de onde ele está.

Olho para outras caixas no chão e as pego para vasculhar. Nelas tem vários itens pessoais; trabalhos escolares, boletins, fotos. Recordações.

Fecho as caixas e me levanto, exausto, mas determinado. Olho pelo quarto e faço uma varredura em todo o local.
E nada. Nada.

Então lembro das caixas de Meg que coloquei no depósito, eu sabia que Pete não estava preparado para lidar com o que tinha dentro tão cedo depois da morte dela. Vou em busca delas e as trago para dentro do quarto.

A primeira caixa tem pinturas, desenhos e outros trabalhos de arte de Meg, então coloco tudo de volta com cuidado.

A segunda, tem alguns enfeites do quarto dela e muitas fotos. Passo boa parte do tempo xeretando todos os álbuns. Foi engraçado ver a forma como Pete crescia ao longo do tempo, fico intrigado com o fato de a maioria das fotos ter sido tiradas em restaurantes. Meus lábios esboçam um sorriso ao ver que uma das fotos foi tirada na praia, com Pete olhando para o horizonte.

Finalmente, abro a terceira caixa, encontrando livros e outros itens. Noto que todos os livros têm uma etiqueta com datas escritas a mão. Abro um, olho as primeiras páginas até descobrir o que estou lendo.

São os diários de Meg. Tem uns sete deles. Pego um do ano em que Pete foi morar com ela e começo a ler. Muitas coisas começam a tomar forma. Eu sabia que o marido dela era chef, mas após ver as fotos, eu descobri que Pete e Meg trabalhavam com os amigos de Ben.

"Meu Pete aprendeu uma receita nova com Luke hoje. Observa-lo trabalhar com ele deixou meu coração alegre - ouvir sua risada e ver sua tristeza indo embora conforme mexia e cortava.
Luke insistiu que a comida preparada por Pete estava melhor que a dele. Provei e tive que concordar."

"Hoje o Pe nos impressionou preparando uma carne importada. Ele trabalhou horas com Dam, e tudo que comemos depois do jantar foi invenção dele. O avô dele teria adorado e ficado muito orgulhoso como eu fiquei"

Abro um sorriso. Por isso que ele cozinha tão bem. Ele trabalhava com profissionais e tinha aulas particulares em troca. Viro para outra história.

"Vou levar Pete para a pousada na próxima semana. Podemos ficar de graça em troca de algumas faxinas no resort. Seus olhos brilharam quando eu contei."

Pete me contou que eles não tinham muito dinheiro, e como Meg sempre fazia coisas que tornavam o trabalho divertido. Aquela mulher memorável usava todo truque para dar a Pete coisas que eles não podiam pagar. Mostrou que o trabalho compensa. Como um jantar por servir mesas, ou arrumar camas em um resort, era um descanso da cidade e histórias para contar.

Espero encontrar alguma pista.

"Meu neto ama praia. Ele pode ficar sentado por horas desenhando, observando, tão em paz. Fico preocupada por ele ficar muito sozinho, mas ele insiste que é lá onde se sente feliz. Sem o som da cidade e muitas pessoas aglomeradas. Preciso dar um jeito de trazê-lo novamente."

"Falei com o dono do resort e podemos voltar no final de novembro. Pete vai ter que faltar na escola, mas ele é muito inteligente. O clima vai estar bom e vai ser minha surpresa para o aniversário dele."

E as histórias continuam com relatos da praia, Pete cozinhando e crescendo - muita informação, mas ainda nada do que eu preciso.

Estou tentado a ligar para Gustav e implorar para ele me dizer se ele acha que Pete está na pousada, e suplicar pelo nome dela. Mas ele vai me dizer para continuar procurando.

Fecho o livro e limpo os olhos, estou a horas lendo. A única pista é a pousada que Meg mencionava. Mas eu não sei o nome dela ou onde se localiza.

Abaixando o braço, pego os álbuns com as fotos de Pete e sua vida. Olho para as fotos na praia, tiro todas elas convencido de que é a mesma praia. Mas não tem nada escrito atrás das fotos.

Com um suspiro, sento no chão e me recosto na cama. Olho para os livros das prateleiras dele desejando que um deles tenha o que eu quero. Inclino-me ao ver de longe três livros sem nada escrito na lombada. Levanto e os pego. Eles são parecidos com os de Meg.

Pete também escrevia em um diário, ou costumava escrever. Olho as datas, começaram quando ele foi morar com ela. O diário dele não é tão detalhado como o de Meg, tem algumas frases soltas, letras de músicas e rabiscos. Mas nas páginas haviam cartões postais colados. Oro para encontrar algo.

O tempo para quando eu começo a ler, as breves passagens tinham a essência dele. Era óbvio o amor que ele sentia por Meg. Ele escrevia sobre aventuras e coleções de pedrinhas. Descrevia alguns jantares com os amigos de Meg, seu amor por comida. Paro de respirar com uma passagem.

"Vamos à praia amanhã. Meg tem um amigo que é dono de um resort e ela fez um acordo com ele. Vamos limpar os quartos da pousada e, em troca, podemos ficar lá de graça uma semana inteira. Nós dois juntos podemos terminar o serviço bem rápido e eu vou poder brincar pelo resto do tempo. Estou tão empolgado, não vou à praia desde que meus pais morreram. Não acredito que ela está fazendo isso por mim!"

Meu coração para. Tem que ser isso. Meg mencionava a pousada, e havia fotos deles, na praia. Continuo lendo.

"Aqui no resort é tudo tão azul e lindo. É muito bom escutar a água todos os dias. Amo esse lugar."

"Não quero ir embora, mas Meg me disse que vamos voltar depois no final de novembro. O dono até prometeu o mesmo quarto, o azul. Vou aguardar muito ansioso, tenho tanta sorte,
vai ser o melhor presente de aniversário da minha vida!!"

Meus olhos enchem de lágrimas com a última frase. Férias trabalhando. Era isso que eles podiam pagar. Da mesma forma que só podiam comer fora com a generosidade dos amigos e, ainda assim, ele se sentia sortudo. Penso na minha vida de excessos. Eu podia ter qualquer coisa que quisesse. Mesmo assim, eu nunca estava satisfeito, porque nunca me deram o que eu queria de verdade.

Amor.

Foi isso que Meg deu a Pete em grandes quantidades.

Começo a folhear mais rápido, procurando frases sobre a localização da pousada. Perto do fim do livro, encontro o tesouro. Um de seus rascunhos era o nome "Blue Sea Resort". Pego o celular e pesquiso o nome na internet.

Encontrei. A foto do site tem a mesma logo desenhada por Pete na folha, o mapa indica que fica a algumas horas daqui. Outras fotos mostram as imagens lá de dentro, parece com as descrições.

Olho novamente para o diário. Debaixo do desenho estava escrito: "Meu pedaço do céu".

Fecho os olhos quando o alívio me atinge.

Eu encontrei meu marido.

The ContractWhere stories live. Discover now