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O bege era uma cor e tanto.

Tudo que era bege era meio termo. Nem tão escuro para não parecer triste, mas nem tão claro para não ser alegre demais.

Apenas bege.

Eu me identicava como bege.

Talvez fosse um pouco bege.

Me pergunte agora: que cor você seria?

Vamos, pergunte-me.




Bege.

Respondendo sua pergunta, eu seria bege.

Nem lá, nem cá. Talvez seja confuso, eu sou confusa.

Por que estava falando mesmo disso?

Ah, certo. Minha nova sala.

Hrm hrm "coçando a garganta"

Eu trabalhava no mesmo lugar há dez anos, comia a mesma comida há dez anos, ouvia as mesmas músicas antigas e saturadas há dez anos, lia o mesmo estilo de livro há dez ano, fazia as mesmas coisas há dez anos... Talvez um pouco mais de dez.

Talvez o número dez combinasse comigo tanto quanto a cor bege.

Não sei exatamente quando tudo isso mudou.

Na verdade, sei sim.

Foi há um ano atrás.

Eu estava na minha cafeteria favorita, podia sentir o aroma gostoso de café invadir minhas narinas sem fazer nenhum esforço, adivinhem sua cor?

Se você disse bege

Está errado.

Era creme.

Creme não é bege, é?

Meu sobretudo era marrom assim como meus cabelos, fazia frio aquela manhã, mas a neve ainda não tinha dado as caras, talvez não desse, eu não gostava de neve.

Minha mesa era perfeitamente arrumada. Com os talheres nos lugares e a xícara milimetricamente posicionada assim como o guardanapo.

Até que um corpo magro ocupou a cadeira à frente, bagunçando a organização da mesa ao colocar um livro ali.

Olhei para ela sem entender, a morena apenas sorriu e empurrou o livro sob a mesa na minha direção.

— Se você gosta deste, vai gostar desse aqui também — me direcinou aquele sorriso gentil novamente e me vi perdida nele.

Algo sobre ele.

Algo sobre ele me fazia hipnotizar.

O que?

Percebi que ela ainda o mantinha, por tempo demais, agora provavelmente não mais para ser gentil e galanteadora, mas para rir de mim, da minha cara de desentendida.

Arquei minha sobrancelha e abaixei com cuidado o livro de capa cinza que estava em minhas mãos "o conto do menino lobo."

Engoli em seco, finalmente desviando a atenção de seu sorriso e focando no livro de capa dura na cor verde água.

"O conto da pequena sereia"

— Não leio livros infantis — pensei alto.

Iria pedir desculpas por ter sido rude, mas seu sorriso ainda estava ali, ela não havia se abalado nem um pouco.

— Não é infantil, é da mesma autora que escreveu este que está lendo. Os títulos são ironias.

— Faz sentido — pensei alto novamente. — Este é sobre o que?

— Acho que você terá que ler pra saber — outro sorriso.

Que maldito sorriso.

— Quanto você quer por ele? — a maldita havia instigado minha curiosidade sobre a obra.

— Um morango.

— Um morango por um livro?

— Sim.

— Não tenho um morango...

— Traga o morango amanhã — Sorriu novamente se levantando, mas deixando o livro.

— Como pode ter certeza que vou trazer seu morango?

— Eu não tenho.

— Isso não te preocupa?

— Por que preocuparia?

— Oras, não te traz ansiedade o não saber? Não saber se eu realmente pagarei pelo seu livro? Não saber se irei voltar amanhã?

Como ela não pensava nas enormes possibilidades?

A morena colocou a mão no queixo.

Olhou para o teto.

Olhou para minha xícara de café.

E depois olhou para mim.

Abriu outro sorriso, e por fim disse: — Se não voltar, vai perder a oportunidade de ter livros incríveis por apenas um morango.

Abri e fechei a boca pensando em uma resposta. Mas nada me veio na cabeça.

Uma porcaria de um morango?

Onde eu acharia um?

Por que ela queria um?

Antes que pudesse responder ela foi embora. O sorriso não havia saído de seu rosto.

Talvez eu devesse perguntar seu nome.

Perguntar por que tinha um unicórnio roxo em sua camisa e por que seu casaco não era grosso.

Me peguei pensando se ela sentia frio, ela era calorenta? Ou será que eu era friorenta demais?

Olhei para o livro de capa verde novamente, será que ela o odiava tanto que só para se livrar dele cobrou um morango de uma estranha?

Ela voltaria?

Não mais te amo tanto                          📚Chaelisa☕Where stories live. Discover now