Capítulo 24

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O mundo parecia um zunido distante e a vida parecia nova. Era assim que ela deveria se sentir? Outra pessoa, em um lugar distante e muito conhecido.

Seu peito subia e descia com constância, e tudo parecia igual aos olhos. Lentamente, Kara piscou para se acostumar com a iluminação do ambiente, puxando o cobertor quando se sentou ao notar a nudez do corpo. Ainda de olhos semi-abertos, ela olhou para suas próprias mãos que se apertavam ao redor dos seios, notando a textura e coloração das cicatrizes... Não novas, antigas, de antes, do seu passado.

— O que...?

A feérica empurrou o cobertor para longe, a boca se abrindo em choque repentino.

— Fique calma — a voz de Rhysand era serena, mas com toque de preocupação palpável. 

Kara o olhou e ela já sabia que existia inúmeras lágrimas descendo por seu novo rosto; ou, seu antigo rosto.

— Madja pode dar um jeito nas cicatrizes se quiser... Não chore — ele pediu, sentando na cama ao lado dela. — Minha lady, não chore.

Ela olhou para baixo novamente, tocando a barriga; uma extensa cicatriz seguia do seu quadril até o umbigo, e perto das coxas, tinha as pequenas marcas retorcidas de queimadura, os braços com pequenas cicatrizes arranhadas debaixo daquela tatuagem.

— Era tudo o que eu queria — ela murmurou. — Minha vida... Minha alma, meu corpo.

Rhysand a olhou como se pudesse ver sua alma, notando o sorriso que se abriu entre as lágrimas.

— Como é possível ter voltado? — Ele questionou, lentamente, o Grão-Senhor passou os dedos pelo contorno do rosto, desenhando os lábios com seu toque, alinhando as sobrancelhas ruivas, contando cada sarda, tocando a ponta do pequeno nariz arrebitado; delicadeza e suavidade, algo nunca antes visto.

Kara não era mais Amarantha, e qualquer mínimo vestígio daquele antigo corpo maldoso, foi coberto por uma nova pele, antigas cicatrizes e uma realização da alma.

— Algo mudou em mim — ela murmurou, como uma confissão.

— Os poderes das cortes... Ainda os mantém — o Grão-Senhor analisou, e mesmo com a seriedade da situação, ele não podia deixar de toca-la.

Ela concordou. Mantinha os dons dentro de si, foi instantâneo; Kara havia se esquecido de quem era, viveu semanas debaixo da sombra de Amarantha e de Feyre, uma mulher quase morta e outra que ainda nem existia, estava tão preocupada e exausta, procurando agradar todos e refazer o mundo, sua história... Ela se perdeu, perdeu o caminho da alma e perdeu quem era no passado, porém, ela se lembrou, dentro daquele cubículo apertado, Kara memorizou os momentos mais aterrorizantes da sua vida e de novo, fez desses momentos sua barreira.

Ela foi pedra quebrando pedra e antes disso, ela era uma humana enfrentando o medo.

O destino a trouxe para esse mundo, o destino deu essa vida.

— Não podem me tirar o que o destino decidiu me dar.

Não podiam. Ninguém.

Farta, Kara estava cansada de viver nessa escuridão iminente, Kai tinha razão, estava na hora de Kara agir como uma adulta.

— Precisamos conversar, Rhys. — Ela levantou o olhar.

Rhysand assentiu, sem sequer se incomodar em se afastar.

— Estou ouvindo.

Sua garganta oscilou. Em um minuto ela poderia perder tudo; toda a amizade que conquistou nesse lugar, eles, uma família.

Corte De Sonhos e Mudanças | ʳʰʸˢᵃⁿᵈWhere stories live. Discover now