Mudanças

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O tempo em São Paulo está frio. Cada vez que inspiro sinto o ar gelado entrar dentro dos meus pulmões. Como todos os dias das ultimas semanas, acordei cedo para caminhar. Minha barriga se destaca sob o moletom cinza. Aumento o ritmo da minha corrida até perder o ar. Paro sobre a calçada com as mãos nos joelhos, tentando recuperar o ar.
- Hey. Não devia correr se não agüenta - um homem fala ao passar por mim. Ele parece ter uns 30 anos e ao notar minha barriga volta para me ajudar - Precisa se sentar?
Eu afirmo apenas mexendo a cabeça freneticamente. Ele me leva até um dos bancos da praça e me ajudar a sentar.
- Obrigada - respondo.
- Não é daqui? - ele pergunta, deve ter notado meu sotaque.
- Na verdade sou - digo - Mas cresci em Boston.
- Morei três anos em Washington DC - ele diz.
- O que fazia lá? - perguntei me ajeitando no banco.
- Terminei meu mestrado em economia lá - ele diz.
- Meu pai fez o mestrado dele em Oxford - digo.
- Direito?
- Não, literatura - digo - Agora ele leciona em Harvard.
- E você? - ele pergunta.
- Yale - digo - Mesmo com os diretores de Harvard no meu pé.
- É formada em que? - ele pergunta, ela acha que já sou formada, não sou nem formada no colégio.
- Ainda não terminei - digo rindo - Mas inglês.
- Gravida e estudando - ele diz - Corajosa.
- Meus filhos são importantes para mim - digo - Tanto quanto a faculdade.
- São mais de um?
- Dois na verdade - digo.
- E como pretende conciliar dois bebês e a faculdade?
- Pensei em ter um apartamento perto do campus - digo - E ai eu e Peter intercalávamos pra cuidar deles.
- Peter é seu namorado?
- É - digo.
- Dois jovens criando duas crianças sozinhos, enquanto estão na faculdade, nossa daria um bom filme - ele diz.
- Dramático de mais pra mim - digo.
- Talvez com uma pitada de comedia - ele diz.
- E você, não tem filhos? - pergunto.
- Tenho, uma filha na verdade, mas nunca a vi - ele diz - Não tive essa coragem que você tem.
- Não assumiu sua filha? - pergunto.
- Não, as vezes me arrependo - ele diz.
- Como consegue viver sabendo que metade de você anda por ai?
- Eu não vivo, sobrevivo - ele diz - Mas a mãe dela jamais me deixaria vê-la.
- Talvez eu a compreenda - digo e ele sorri.
- Mulheres - ele diz.
- A culpa não é nossa, estamos fazendo nossa parte - digo levantando as mãos em rendição.
- Alias sou George - ele diz.
- Becca - digo - Melhor, Rebecca.
- Vai ficar muito tempo por aqui Rebecca? Já que é época de aula no EUA.
- Ainda não tenho uma noção - digo - A gravidez, os gêmeos, foi tudo muito rápido, eu só preciso descansar.
- Beck! - ouço meu pai gritar, ele atravessa a rua correndo - Está tudo bem?
- Agora sim - digo - George me ajudou, acabei sentindo falta de ar.
- Obrigado - meu pai diz apertando a mão dele.
- Disponha - George responde em inglês. E só ai percebo que eu e meu pai estávamos conversando em inglês.
- Beck você tomou todas as vitaminas? - meu pai pergunta.
- Claro - digo.
- Filha...
- Filha? Oh meu Deus, você é o pai dela - George diz.
- Quem achou que eu fosse? - meu pai pergunta.
- O namorado - George diz.
- Peter... - Meu pai solta uma risada - O garoto mal tem 18 anos, como pode me confundir com ele?
- 18 anos? Estou meio confuso - George diz e me olha - Qual a sua idade?
- 18 - digo, meu rosto deve estar vermelho e sinto as minhas bochechas queimarem, odeio quando me olham da maneira que George está me olhando, como se eu não passasse de uma criança. E pior, ele me olha com piedade, por ser uma criança gravida.
- Deixo ela nas suas mãos - ele diz pro meu pai - Boa sorte Rebecca.
Dou um leve sorriso. E George adentra o parque correndo.
- Você está bem mesmo? - meu pai me pergunta.
- Estou - digo - Só quero ir pra casa.
- Boa notícias então - ele diz sorrindo - Elizabeth quer te ver, voltaremos no fim de semana.
Não sei se foi impressão, mas senti um chute no estômago com essas palavras.
- Papai! - dou um grito de surpresa - Está se mexendo.
Meu pai põe a mão na minha barriga e acho que sente o chute.
- Esse é forte - meu pai diz com um sorriso bobo no rosto.
- Sim - digo, imagino estar com o mesmo sorriso.
- Temos que chamá-los de algo - ele diz.
- Não exagere - digo.
- É serio - ele diz - eles precisam de um apelido vitalício, o seu era Bear.
- Me chama de urso? - pergunto.
- Ursinho na verdade - ele diz - E esse jogador do super ball será Quarterback
- Talvez seja uma menina - digo.
- Que chuta como um garoto - ele diz.
- Que machismo pai - digo e ele me da um soquinho no ombro - Fico pensando em como chamá-los as vezes.
- Um nome de verdade? - ele pergunta se sentando ao meu lado.
- Sim - digo e cruzo as pernas no banco.
- Pensou em algum? - ele pergunta.
- Sempre gostei de Samatha, se for menina - digo - E Frederic se for menino.
- Frederic não era o garoto da sua turma do jardim que cortou seu cabelo? - Meu pai pergunta.
- Um garoto cortou meu cabelo no jardim!?
- Já cresceu - ele diz rindo - Sam e Fred, tinha um desenho com isso não é?
- Uma serie - digo - Mas pensando bem, não quero perder meu cabelo, de novo. Que tal Samatha e Edward?
- Sam e Ed? Fica bom - ele diz meio chocho.
- Antony?
- Serio? - ele diz com cara de nojo.
- Bradley - digo.
- Não - meu pai diz rindo.
- Harry - digo e ele faz óculos falsos com os dedos - Henry?
- Não Beck - ele diz.
- Timothy - digo - É bíblico.
- Deus o tenha, mas não - ele diz.
- Quer que ele chame Theodore? Por que não sei mais o que falar - digo.
- Théo - ele diz me ignorando - É perfeito.
- Théo e Sam - digo sorrindo - Acho que já temos os nomes.
- Vou ligar para a Elizabeth - ele diz - Acho que ela vai amar.
- Pai - digo - Sobre o que eu disse no avião, estava falando serio.
- Quer ficar com a guarda do bebê, mas por quê? Você tem uma vida inteira pela frente - ele diz.
- É o meu filho, não posso abandona-lo - digo.
- Beck não é seu filho... - ele diz.
- Um deles é - digo.
- Rebecca é impossível - ele diz.
- Transei com Peter depois do procedimento - digo com os meus olhos fechados.
- Rebecca como pôde? - ele pergunta.
- Achei que tinha dado negativo - digo - Esqueci que não estava tomando os anticoncepcionais...
- Como sabe que só um é seu? - ele pergunto.
- O Dr. Albers falou - digo.
- Sabe desde quando?
- Desde a primeira consulta - digo.
- Por que nunca falou?
- O que você acha que a Lizzie vai dizer? - digo - Ela iria me matar.
- Ela vai te matar - ele diz.
- Ela não precisa saber - digo e ele me encara - Ainda.
- Quando pretende contar? - ele pergunta.
- Depois que eu me decidir - digo.
- E se você não ficar com seu filho, quer que eu o crie?
- Você é o avô - digo.
- Você é a mãe - ele diz.
- De apenas um - digo.
- Meu neto e meu filho dividindo seu útero, que pensamento agradável - meu pai diz com sarcasmo.
- Pai, acalme-se - digo - Logo me decidirei.
- Não pode abandonar seu filho Rebecca - meu pai diz.
- Se decidir que Lizzie fica com eles, nunca saberei quem é meu filho - digo.
- Você saberá - ele diz com um tom sincero.
- Mas tem a questão escola, roupas e comida - digo - Mal sei se darei conta de mim.
- Você consegue - ele diz.
- Pai eu não sei... - digo.
- Você sabe fazê-lo então aprende a cuida-lo - ele diz.
- Acha que eu devo ficar com ele? - pergunto.
- Tenho certeza - ele diz.
- Adeus Yale - digo com os olhos marejados.
- Fazemos o seguinte - ele diz - Primeiro você aceita a ideia, depois liga pro Peter e a partir da reação dele decidimos quando contamos para Lizzie.
- Peter... - sussurro ao me lembrar que ele também está envolvido nisso.
- Acho melhor você pensar num duplex do que numa praça suja - meu pai diz levantando.
- É um quadriplex - digo aceitando a mão dele para me levantar.
- Um duplex duplo - ele diz e eu acabo rindo.
- Obrigada por aceitar tão bem - digo.
- Eu seria um ótimo ator, não acha? - ele diz - Alias depois que você ligar para o Peter esqueça telefone ou computador.
- Pai! - digo - Nunca fiquei de castigo antes.
- Sempre há uma primeira vez - ele diz - E a razão dessa punição me mostra o quanto eu sou liberal, você teve que ficar gravida e mentir pra sua mãe que o filho era dela pra receber castigo.
- Madrasta - corrijo.
- Que seja - ele diz - Vou ter que apertar as rédeas desse baixinho ai.
- Eu preciso descansar - digo e ele afirma apenas com a cabeça. Caminhamos lentamente até o edifício dos meus avós, subimos até o andar da sala de estar e um dos empregados abre a porta.
- Hey - digo antes de entrar no meu quarto, meu pai que está no corredor me olha - Sam e Théo são os nomes que eu escolhi, não tente rouba-los.
- Deixe de ser fominha, você só vai ter um bebê, não precisa dos dois nomes - ele diz com um sorriso - Agora descanse meu ursinho e meus campeões do Super Ball.
- Até mais tarde papai - digo e adentro o quarto para os minutos mais inquietantes da minha vida.

Por AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora