A nova doutora de Forks

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   "Alô, é da delegacia de Forks?” fora assim que aquela chamada se iniciara, num tom confuso, como se a pessoa não soubesse exatamente o que estava fazendo. Charlie Swan também não reconhecia a voz do outro lado da linha, o que poderia dar a entender de que talvez, o motivo para aquela suposta insegurança, fosse o fato da mulher ser de fora da região.

   — Sim, aqui quem fala é o xerife Swan. — O homem tentara responder com confiança, por mais que em sua mente se perguntasse qual rumo aquela ligação estaria prestes a tomar.

   “Ah, droga...Eu sinto muito ligar assim.” Ela se lamentou, e por mais que não estivessem no mesmo ambiente, ele pôde jurar de que ela acabara de bater a palma contra a testa “Acontece que estou de mudança para a cidade, e não conheço nenhum reboque local. Subestimei a neve na estrada, e acabei derrapando e batendo contra o encostamento.”

   — A senhorita não precisa se desculpar. Onde exatamente está? — não fora preciso muito antes de seu “modo xerife” ser ativado, ao se levantar, apanhando as chaves da viatura. Só não conseguira ir muito longe, pois o fio do telefone o lembrara de que ainda precisava se manter na linha, o puxando de volta para a mesa.

   “Não sei ao certo. Sei que já passei de Beaver, e tem essa ponte há alguns metros” pelo som do papel se desdobrando, ela deveria estar conferindo um mapa “A placa está um pouco distante, mas seguindo essas informações, acho que devo estar perto de Sol Duc River.” Assentiu com uma confiança impressionável.

   — Certo, eu sei onde fica a ponte de Sol Duc para cá. Aguarde dentro do carro, que já estou a caminho! — o xerife assegurou, por fim desligando a ligação para enfim partir para lá.

   Detestava sair naquela neve, mas não era como se já não estivesse acostumado com aquele clima temperado de Forks. Sem falar que, fora a organização de alguns arquivos, a delegacia não tinha apresentado nenhuma movimentação. O rio em questão não ficava muito longe da cidade, de modo que em apenas quinze minutos de carro, ele já havia conseguido localizá-la: dentro de um Chevrolet Meriva, com a lateral arranhada, uma silhueta feminina parecia se movimentar no banco do motorista.

   Os limpadores do para-brisa trabalhavam copiosamente, dissipando o embaçado que poderia ficar no vidro  enquanto a mulher mantinha as janelas levantadas, algo natural naquele frio. Foi quando ele se aproximou a pé, e finalmente pôde a ver pela primeira vez: cabelos de um loiro-morango, cabeça em formato de coração, maçãs do rosto marcadas, e grandes, grandes olhos verdes. Duas batidinhas na janela, e a barreira de vidro entre ambos desceu.

   — Eu sinto muitíssimo, xerife Swan! — ela voltou a se desculpar, e o sorriso sem jeito que deu acabara por acentuar ainda mais as suas bochechas. — Agradeço pelo senhor ter chegado tão rápido.

   — De modo algum. Na verdade, se a senhorita não tivesse se acidentado, não teria levado muito mais do que alguns minutos para chegar na cidade. — o homem respondeu, não conseguindo abafar um sorriso, diante daquela figura simpática, que por sua vez tinha os olhos arregalados em surpresa.

   — Jura que estamos tão perto assim?! — murmurara em choque, desviando sua atenção do policial, para olhar para a estrada diante de ambos. — Agora estou me sentindo ainda mais estúpida.

   — Bobagem. Geralmente, quem é de fora, sempre acaba sendo pego desprevenido com o mau tempo. — ele fizera o máximo para deixá-la tranquila, enfiando o braço dentro da janela, para destravar a porta e ajudá-la a sair do carro.

   A moça parecia relativamente bem, não apresentando nenhuma tontura ou arranhão possíveis, mesmo numa batida leve como aquela. No entanto, parecia haver um curioso filete de sangue caindo do canto esquerdo de sua testa, muito próximo da linha do couro cabeludo, que Charlie se amaldiçoou por não ter notado antes.

   — Relaxe, eu estou bem! — ela garantiu sem jeito, levando os dedos ao local, ao notar a sua preocupação. — Me auto-avaliei, e fora uma leve concussão, o corte não precisará muito mais do que alguns pontos caseiros. Pretendo cuidar disso assim que chegar em minha nova casa.

   — Vejo que temos uma médica entre nós. — ele expressou seu ceticismo, não desdenhando de sua figura, mas daquela estranha despreocupação com seu próprio estado.

   — Na verdade...Eu sou mesmo. — admitira, para o espanto dele. — Doutora Natalie Jenkins. — acrescentou, lhe estendendo a mão em cumprimento.

   — Xerife Swan. — ele respondeu automaticamente, se xingando ao notar que tal apresentação era desnecessária, já que já havia se apresentado ao telefone. — Mas pode me chamar de Charlie. — emendou, tentando amenizar a vergonha.

   — É um prazer conhecê-lo, Charlie. — ela rira baixinho de sua falta de jeito, enquanto suas palmas se encontravam num aperto de mão firme. — Imagino o quanto a situação deve estar soando irônica: A médica que veio remediar acidentes, acabando acidentada em seu primeiro dia.

   — A vida tem mesmo das suas ironias, não? — ele riu baixinho, sem largar do aperto de sua mão.

   Ficaram pelo que pareceu uma eternidade assim, até que o frio se fizesse mais importante do que as apresentações: a tal doutora podia vestir uma blusa de lã e um sobretudo grosso, mas a neve ainda era capaz de corar suas bochechas.

   — Vamos, eu preciso te tirar desse frio. Assim que eu retornar à delegacia, farei uma ligação para o Vernon vir rebocar o seu carro! — assegurou, apontando para a viatura, para onde seguiram sem trocarem mais palavras.

   Confortável no banco do carona, a Doutora Jenkins tinha os grandes olhos verdes voltados para o lado de fora, parecendo absorver a paisagem como se sua vida dependesse disso.

   — Muito fora do seu habitat original? — Charlie perguntou, indo contra a própria natureza. Nunca foi alguém de conversar, mas seu interesse na forasteira estava o obrigando a se contrariar.

   — Definitivamente. Meu dia a dia costumava ser na selva de concreto, também muito conhecida como Nova York: arranha-céus, taxis, multidões... — Natalie respondeu, voltando a olhar para ele. — Mas não é como se eu não tivesse vindo para Forks desavisada. Garanto que sei onde estou me metendo. — ela concluiu com humor e uma dose de confiança invejáveis.

   — Nova York... — Charlie processou a informação por alguns segundos. — Mais a Leste do mapa seria impossível! O que a trouxe para o extremo oeste do país? — devolveu o questionamento, ao mesmo tempo em que avistavam a placa de “Bem-vindos a Forks”.

   — A calmaria. Diria que já tive minha cota de cidades grandes na vida... — a mulher dera de ombros, embora algo em seus olhos denunciasse que ela também não queria entrar em detalhes sobre o assunto. Também sendo um grande apreciador de espaço pessoal, o Swan não insistiu no assunto. — Pode me deixar na F Street, a rua atrás do hospital. — instruiu, visto que já passavam do centro da diminuta cidade.

   — Logo atrás do hospital? Vejo sua disposição para trabalhar. — ele murmurou, um sorriso discreto aflorando por trás do bigode.

   — Sem sombra de dúvidas. — ela rira, parecendo gostar de sua piada. — No entanto, confesso que a escolha do lugar tenha mais a ver com o que pesquisei sobre o bairro residencial. Parece ser um lugar tranquilo.

   — Moro a apenas quatro ruas abaixo da senhorita, e devo dizer que realmente, nunca tive nada a reclamar. — ele concordou, e logo estavam encostando no estacionamento.

   — Essa não é a minha casa. — Natalie riu sem jeito, ao notar que haviam parado em frente do hospital.

   — Não, mas imaginei que poderia querer ajuda para esse corte na cabeça. Pela comunidade de Forks, agradecemos pela sua disposição em vir nos atender, porém pedirei para que deixe-nos atendê-la por hoje. — ele explicou, se apressando em sair e contornar o carro para abrir a porta para a mulher. — Afinal, deve saber o que dizem sobre os médicos.

   — “Que eles são os piores pacientes”. — ela sorriu ao completar aquele dizer popular, pegando na mão ofertada para sair do carro. — Espero que se mantenha atento a futuras ligações, xerife. Ainda ligarei para vermos como poderei retribuir sua gentileza. — concluiu, no mesmo instante em que se erguia de pé diante dele.

   Sem ter muito mais a ser conversado, o xerife se despedira de Natalie, lhe acenando em despedida enquanto a via entrar na clínica para fazer o seu check-in.

   Algo lhe disse que assim que a doutora se assentasse, Forks estaria em boas mãos.

Equinócio - TwilightWhere stories live. Discover now