A imortalidade tem o seu preço

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   Sentada diante da TV, Bella se permitia dar, pelo que seria a terceira vez naquela última hora, replay em seu DVD de casamento.

   Não que a festividade naquele evento tivesse sido o motivo para estar revivendo aquela lembrança — já que tal cerimônia havia sido mais um meio para seu real objetivo de estar eternamente ligada a Edward, do que propriamente um desejo seu — mas sim porque naqueles minutos de gravação tinham vislumbres de seu pai.

   O smoking cinza tão bem selecionado por Alice, o bigode franzido em resignação enquanto a entregava ao altar, mas principalmente o discurso que fizera exclusivamente para ela, pouco antes dos créditos finais. Como esperado, diante da câmera, Charlie apenas expressava seu desejo de felicidade para a filha, apesar de não conseguir concordar com as escolhas dela. Não podia culpá-lo por nunca ter conseguido entender de que nada do que lhe acontecera nos últimos dois anos havia sido diretamente culpa de Edward, só podia agradecê-lo por não deixar que esse ranço se colocasse entre os desejos dela.

   — Alice teve uma visão da forasteira. — a voz tranquila de seu esposo fizera a Cullen retornar ao presente, mesmo que abruptamente. — Quase da idade de Charlie, sorriso grande...olhos verdes. Me parece apenas uma boa pessoa. — ele não fora sutil ao enfatizar aquelas características humanas, mas pelo menos isto fora o suficiente para fazer Bella suspirar em alívio.

   Sabia que, por mais estranho que fosse, existiam pessoas no mundo que poderiam querer se mudar para Forks. Pessoas sem nem um pingo de sobrenatural em suas veias, e que estariam lá apenas pelo marasmo da rotina no interior, sem nem mesmo cogitarem interagir com o xerife da cidade.

   Mas ainda assim...

   Permaneceu em silêncio, acreditando que esta seria a melhor forma de abafar suas paranoias, que no fim haviam se provado infundadas, mas algo em si continuou cutucando, a obrigando a verbalizar aquela apreensão.

   — Por um bom tempo eu desejei a imortalidade, sem temer as implicações em estar ao perto de vocês. Mas desde que me tornei vampira, eu só consigo pensar no quão vulnerável Charlie é em relação a nós... — admitira com a voz embargada, sentindo que seus olhos só não se enchiam de lágrimas pela impossibilidade de. — E tem Renesmee, que ama o avô, mas simplesmente não pode ficar por perto pois a cada dia parece mais velha do que seus dois anos deveriam aparentar! Ao contrário de mim, ela não escolheu partir, ela simplesmente teve de se despedir de Charlie!

   Edward não pôde dizer nada, em partes não conseguindo se surpreender ao ver que um de seus maiores pesadelos se concretizava: Bella sentia falta de sua humanidade.

   Talvez não do “ser humana” — na verdade, nunca houvera alguém que se adequara tão bem ao vampirismo quanto a sua mulher — mas de não poder estar perto daqueles que amava por possuir um segredo impossível de se compartilhar, muito diferente de quando a garota apenas mantinha sigilo sobre ele e sua família. Agora Bella era inteiramente parte daquele segredo, e não havia muito o que ser feito.

   — Treze anos. Dê a Renesmee treze anos, e quem sabe ela não poderá rever Charlie? — ponderou com um sorriso compassivo, procurando segurar as mãos dela junto as suas. — Não sabemos como Renesmee irá aparentar quando chegar a maioridade, e assim como por diversas vezes performei idades inferiores a que “tenho”, ela saberá se apresentar ao seu pai. Para quem se tem a eternidade, treze anos não são nada.

   Bella não procurou rebater o marido, em partes agradecida por ele não poder ler seus pensamentos naquele momento, pois se por um lado Edward havia sido certeiro enquanto a Renesmee, ele se esquecera de pesar o que treze anos significariam para Charlie.

   — Eu conheço esse olhar. — o vampiro apontou, mostrando que talvez sua mente não estivesse tão mascarada assim. — E eu entendo. Apenas me permita acompanhá-la, pode ser? — pediu em tom suplicante.

   — Eu quero ir também! — a voz inesperada de Renesmee fizera o casal prontamente olhar para o pé da escada, onde a menina de aparentes seis anos se empertigava com determinação. — Também desejo rever o vovô! — acrescentou num tom de quem não permitiria objeções.

   No fim, a teimosia de Bella havia sido herdada pela garota, o que os faziam crer que não demorariam muito até terem dificuldades para lidar com possíveis debates com ela.

   — Nessie... — Bella começou, não se importando em usar o apelido que Jacob criara. Nesse ponto era quase raro alguém se reportar a ela pelo primeiro nome. — Sabe que não será possível. As pessoas...

   — ...As pessoas não precisam saber! Sei que a senhora não era sociável quando humana, ao ponto de não passar de ser “a filha do xerife". Sei que ninguém se importará em ir visitar o vovô para te rever, e não precisamos mencionar nada sobre a “neta estranha". — ela listou, como se tudo aquilo fosse algo lógico demais para eles não terem pensado.

   — De fato, eu não era muito sociável. — Bella admitiu, levemente ofendida. Ainda perguntaria de onde Nessie teria ouvido falar de sua vida humana. — Mas ainda tive colegas em minha época, colegas que foram ao meu casamento, e que talvez se perguntem sobre a garotinha que anda de mãos dadas conosco, e que é estranhamente muito parecida conosco! — contra-argumentou, detestando ter que enfatizar aquela obviedade. Sabia que Renesmee já era mais sensata do que ela jamais foi em seus vinte anos, mas também sabia que isso não se aplicava quando seu coração era posto em prova.

   — Podemos tentar. Talvez possamos programar nossa ida e nossa volta de madrugada, afim de evitar sermos pegos pelos olhos curiosos...Desde que Nessie permaneça dentro da casa de Charlie, não haverá muito riscos de ser notada pelas pessoas. — Edward procurou ser razoável, tentando ajudar na resolução daquele dilema. — E quanto ao seu pai...talvez se assuste com o atual tamanho dela, mas não acho que se importará em questionar diante da chance de rever vocês. — concluiu, por fim deixando aquilo nas mãos de quem sabia que deveria partir a decisão final.

   Bella não gostou daquela postura, detestando se colocar no papel de juíza às custas da alegria da filha. Mas, se havia a chance de conseguirem fazer aquilo sem provocarem a trégua ofertada pelos Volturi, o que custaria tentar, certo?


...


   Já era perto do meio-dia quando Charlie recebeu a ligação, partindo prontamente para a casa da doutora na F Street: era um lugarejo lindo, com  seus dois andares, varanda grande, porão alto e tábuas cor de creme.

   Um pouco grande demais para quem estava supostamente sozinha, mas aconchegante o bastante para ele entender o apelo que provavelmente teria feito Natalie comprar a casa a princípio.

   Na calçada, estacionado logo atrás do Chevrolet Meriva que ele se lembrava de tê-la resgatado uma vez, um caminhão de mudanças era esvaziado por dois ajudantes, que iam depositando as caixas em pequenos montinhos enfileirados.

   — Charlie! — ela exclamou no topo da pequena escada que levava a sua varanda, abraçando-se no casaco moletom, provavelmente tentando espantar o frio. — Chegou antes mesmo de descarregarem o caminhão. Certamente subestimei seu entusiasmo em querer me ajudar! — riu-se, descendo para o recepcionar com um aperto de mãos.

   — Sou um homem de palavras, madame. Quando me proponho a fazer algo, gosto de fazer bem feito. — ele respondeu com humor, correspondendo ao cumprimento.

   — De todo modo, ficará feliz em saber que passei a manhã adiantando o preparo do nosso jantar, justamente para não termos nenhum trabalho ao fim da arrumação. Espero que goste de frango ao curry! — ela sorriu de volta, apontando para a entrada da casa. — Sinta-se à vontade para começarmos!

   Erguendo as mangas até os cotovelos, os dois se puseram a trabalhar pouco após o caminhão partir e deixá-los a sós. Apesar do número de caixas, o verdadeiro desafio se tornou a escada que levava ao primeiro andar que, depois da décima caixa, passou a se provar mais alta do que imaginavam.

   Passado o pequeno sufoco para depositar tudo na sala, passaram a operar em cômodos distintos, classificando o que teria de ir para a cozinha, banheiro e quarto enquanto se revezavam para cobrir tais áreas.

   — Eu pego isso! — Natalie exclamou com teimosia, se recusando a ver Charlie levar mais uma leva de caixas para o segundo andar. — Lembre-se que está aqui para me ajudar, não fazer todo o trabalho! — ela o censurou com um riso, sumindo ao pé da escada para levar a caixa ao quarto.

   Com aquela, eles terminavam de levar as caixas que não ficariam no primeiro andar, dando a Charlie a vantagem de poder escolher o que levaria para desempacotar na sala.

   Estava tentando levar duas caixas ao mesmo tempo para a “lareira”, seguindo a etiqueta com que a doutora rotulara aquelas, quando sua coluna deu uma pontada desagradável. Nada tão terrível para fazê-lo jogar tudo para o alto, mas ruim o bastante para fazê-lo  depositar de mal jeito no chão, desgrudando a durex que selava as coisas.

   Foi quando pôde se dar conta do que havia ali: o reflexo no vidro sendo a primeira coisa a lhe chamar a atenção, pouco antes dele perceber as molduras que contornavam uma série de fotos de Natalie...e outras duas pessoas.

   — Charlie, você está me ouvindo?! — de repente a mulher surgiu na sala, e ao que parecia, aquela não era a primeira vez dela lhe chamando.

   Mas seja lá o que ela estivesse falando, logo não tardou para que sua atenção se desviasse, seus olhos verdes indo para a mesma direção em que os de Charlie estavam. Não estava tratando aquilo com vergonha, apenas parecia absorta, como se nem mesmo ela tivesse se lembrado de separar o conteúdo naquelas caixas.

   — Você... — a ruiva ainda tentou falar, pouco antes de correr em sentido a ele e tomar uma das molduras em mãos. — Eu... — seu indicador delineou os rostos do homem e da menina que lhe faziam companhia na foto, um pouco sentimental. — Acho que vou guardar estas no porão por enquanto. — concluiu, devolvendo a fotografia à caixa, a tomando nos braços para guardar ela própria.

   Charlie não fazia ideia do que acabara de presenciar, mas se podia levantar suspeitas do que teria a feito fugir para Forks, certamente as pessoas por trás daquela fotografia tinham a ver com isso.

Equinócio - TwilightWhere stories live. Discover now