Um sorriso cicatrizante

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   Tendo um expediente que cobria basicamente a manhã e a tarde toda, não era de se espantar que as noites fossem o período do dia favorito de Charlie. No entanto, aquelas preciosas horas de repouso tinham ganhado um significado ainda maior após Bella ter se mudado para o Alaska, pois eram nelas que sua filha ligava para ele.

   Faziam quatro meses desde a sua partida, e o homem seguia sem entender o que a teria feito sair com tanta pressa de Forks: a baixa do Doutor Cullen na clínica podia ter sido dada com antecedência; os trâmites quanto ao processo da assinatura da escritura da nova casa podiam ter sido mencionados durante o mês anterior à partida; mas ainda assim era nítido que tal coisa não havia sido pensada sem nenhum motivo.

   A questão era: que motivo seria este?

   Nunca tivera nada contra os Cullen, mas tinha de admitir que desde que Edward se tornara seu genro, mais e mais as estranhezas e peculiaridades daquela família vinham se tornando perceptíveis aos seus olhos, chegando ao ápice quando reencontrou Bella  pela primeira vez, após a sua lua de mel. A palidez excessiva, as olheiras estranhas, a pele fria, e os olhos penetrados como o de uma raposa arisca pareciam destoar de sua imagem costumeira, tanto quanto as roupas de marca muito bem selecionadas por Alice...e de algum modo, nunca antes ela pareceu tão encaixada em sua nova família.

   De todo modo, aquelas não eram coisas que Charlie se permitia pensar por muito tempo. Tinha lhe prometido não pensar demais sobre, em troca de que ela permanecesse por perto.

   E mesmo assim ela quebrou a promessa.

   Nove da noite, com uma precisão invejável, o telefone tocou na cozinha, fazendo Charlie se levantar abruptamente da cadeira para o atender.

   “Boa noite, pai” a voz do outro lado da linha o cumprimentou, com uma felicidade genuína. Se lembrava de quando ouvira Bella falar daquele jeito pela primeira vez, num tom melodioso demais para o seu usual. Até mesmo chegara a quase desligar o telefone, em uma das vezes, acreditando ser alguém tentando lhe passar um trote, mas com o tempo passara a reconhecer aquela linda voz como a de sua filha.

   — Oi, Bells! Pontual como sempre, hein?! — riu emocionado, sempre feliz em ver que assim como ele, sua filha contava os segundos para conversarem por telefone.

   “Sabe que nunca o deixaria esperando.” Ela também riu, parecendo chegar o telefone mais próximo do rosto “Alguma novidade em Forks?”

   — Pra falar a verdade, há uma sim. Avise ao Doutor Cullen que sua substituta chegou hoje mesmo na cidade. — Charlie falou com humor, se lembrando da adorável mulher de sorriso fácil. — Talvez eu tivesse demorado um pouco mais antes de conhecê-la, mas calhou do carro dela ter derrapado a alguns metros da cidade. No fim, ela me ligou e eu aproveitei para dar as boas-vindas.

    "Olha se não é o Xerife Swan, um verdadeiro cavalheiro em armadura branca!" declarou em brincadeira, mas havia algo de estranho em sua voz, quase como se estivesse tendo problemas para processar a informação. "E como ela é?"

   — Muito simpática. Se mudou de Nova York para cá, sabe-se lá o porquê, mas não me preocupei em fofocar sobre. — dera de ombros, sem saber mais o que dizer.

   — E a...aparência? — se o tom de Bella fosse malicioso, Charlie até poderia pensar que ela estaria insinuando um possível interesse amoroso por parte do pai, mas não havia sutileza em seu questionamento. Apenas uma estranha apreensão.

   — Oras, Bells, por que eu precisaria fazer um retrato falado da dita moça, hein? Por algum acaso isso teria a ver com o que Jacob é, ou...? — “o que você é?” essa seria a forma como deveria completar aquela frase, mas sua voz simplesmente morrera antes disto.

   Afinal, o que Bella era? O que ela teria precisado fazer quando ficara doente na lua de mel?

   De repente, foi como se todo o bom humor tivesse se esvaído daquela ligação, dando lugar à desconfiança que Charlie detestava sentir em relação a própria filha. Podia ter aguentado perder seu melhor amigo, mas jamais aguentaria perder sua filha.

   “O senhor tem razão. Eu...eu não sei o que tinha na cabeça perguntando sobre ela” Bella se desculpou, parecendo mortalmente envergonhada consigo mesma. Uma longa pausa se fez em seguida, e Charlie se perguntou se não deveria fazer o mesmo também. “Talvez eu devesse desligar.”

   — O quê?! Mas e você?! E Renesmee?! — ele se apressou em interrompê-la, se recusando a suspender aquele momento. — Não teriam novidades quanto a nova casa, ou alguma historinha divertida, ou...? — começava a gaguejar enquanto se atropelava nas palavras, até que uma nova voz se fez audível.

    "Boa noite, vovô!" uma voz tão doce quanto a de Bella exclamou, fazendo o coração de Charlie se esquentar em alegria. Podia só conhecer Renesmee há um ano, mas a amava como se a conhecesse a vida inteira.

   — Boa noite, Nessie! Está meio tarde para estar acordada, não? Sua mãe desnaturada ainda não te colocou na cama? — ele riu, apesar da voz embargada. Não queria ficar triste na presença da neta, mas o nó que se formava em sua garganta aos poucos se tornava insuportável.

    "Ela até tentou." o riso infantil da garota foi o mais adorável que já ouvira na vida. "Mas eu insisti que ela me deixasse permanecer acordada até ela ligar para o senhor...Estou com saudades, vovô."

   As vezes o vocabulário de Renesmee, tão variado para uma criança de apenas 3 anos, o deixava um tanto escabreado, mas como havia prometido a Bella, não havia nada que ele não fosse capaz de ignorar pela sua família.

   — Também estou com saudades. — admitiu de coração partido, tentando pela última vez se controlar, levando os dedos até o topo do nariz, se esforçando para frear as lágrimas que começavam a emergir.

   Mais silêncio se fez do outro lado da linha, e por um instante Charlie imaginou que teriam desligado a ligação, até ouvir:

   “Pai, nós te amamos” Bella comentou num tom contido, parecendo sentir mais por ele do que por si mesma.

   — Eu também amo vocês. — Ele respondeu, e desta vez o som da ligação sendo cortada se fez perceptível, o fazendo ver que por mais uma noite, ele estaria sozinho na residência Swan, contando os minutos até o dia seguinte, onde poderia iniciar mais um expediente.

Equinócio - TwilightHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin