Sombras do Levante

9; Já, já chega dezembro

Sou só um menino sem olhos
Procurando você, ó Anabel
O Caronte levou o meu horizonte
O Caronte levou o meu horizonte

O Limbo do Menino Sem Olhos, Kamaitachi.

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     Tradições fúnebres, em algumas culturas, são marcadas pela música, dança e banquetes, assemelha-se até a uma festa, mas isso não quer dizer que as pessoas ao redor do finado estão felizes ou não sentem a perda do ente querido. Cada cultura celebra a morte de uma forma, e não existe jeito certo ou errado de fazê-lo, mesmo que o mais comum seja trajar-se de roupas pretas e chorar em silêncio pela vida ceifada que ali jazia. 

Jungkook não conhecia o sentimento perder alguém que se ama, por isso, não sabia como agir enquanto segurava o corpo sem vida de Yoongi.

     Talvez precisemos regredir algum tempo para que você, leitor, consiga entender a situação em que o jovem Smirnov se encontra. No dia 30 de dezembro de 1916, aconteceria um evento em Petrogrado, e Yoongi voltaria para a cidade depois de quase um ano afastado, para participar da confraternização com um grupo de burgueses. E o velhote não deixou de avisar seu filho de consideração que estaria de volta, e assim, marcaram de se encontrar. No entanto, ele sabia sobre seu próprio destino, sabia que aquele era seu último dia de vida, e apenas a ideia de não dar um último abraço em Jungkook já lhe despertava pesadelos. Ser vidente, médium ou qualquer outra coisa a qual queiram chamar, popularmente pode ser visto como uma dádiva divina, mas para Yoongi, era um castigo. Suas previsões nunca eram completas, revelavam apenas um quarto do que realmente significavam, e nunca previam com exatidão o contexto, por isso, ele apenas conhecia sobre sua morte, mas não tinha certeza de como ou onde seria morto. Mas sabia que seria assassinado e jogado em um rio, para um ano depois, a monarquia cair diante dos pés de Lenine. E já tinha conhecimento sobre tudo isso a mais de um ano, o que, no desespero, lhe fez enviar uma carta sem pé nem cabeça para Park Jimin, que nunca respondeu-lhe. 

     Muito fala-se sobre legado, mas o que realmente é legado? Yoongi deixaria o seu, mas o mundo jamais conheceria sua ligação com o Partido, Jungkook e até mesmo SeokJin. E ele não queria isso. Portanto, escreveu um testamento, deixando todos os seus bens ao seu filho, aquele que não carregava seu nome mas carregava sua verdadeira personalidade imbutida em sua própria. Mas ele nunca imaginou que a Czarina estivesse ciente da existência do Smirnov, e que ela daria tudo para arrancar aquele testamento das mãos dele. A mesma mulher que designou a vida de seu filho ao homem, a mesma que traiu seu marido consigo, sob o perigo de ser condenada, era aquela que iria por um fim em seu legado. 

     Dezembro de 1916, num dia frio de inverno que fazia as madames da corte andarem com seus longos vestidos de camadas incontáveis, fazia-as tremer o queixo e ranger os dentes. Yoongi adorava ver aquilo, aquele sofrimento imbutido à classe mais alta, imposto pela própria classe. Era cômico, ainda que fosse trágico. A Czarina Alexandra Feodorovna era uma mulher amarga, talvez isso se devesse aos anos passados ao lado de seu marido, mas ninguém saberia o por quê da mulher ser tão desgostosa com a própria vida. Foi ela quem atrasou o compromisso de Rasputin com Jungkook, que estava marcado para depois da festa com a burguesia. E aquela festa estava semelhante ao inferno. Todos os homens e mulheres vestiam suas roupas da mais alta costura, engomadinhos com suas gravatas e chales, para o vidente, aquilo tudo era motivo para querer vomitar. Todos com seus sorrisos forçados, tensos por algum motivo ao qual era desconhecido até então, mas veio a revelar-se quando uma arma foi apontada para o velhote. 

-Certo, então são vocês que vão me assassinar? Eu deveria esperar isso depois da taça de Vodka envenenada e os olhares de desconfiança.- olhou para a Czarina, que mantinha uma feição sombria e até um pouco feliz.- Até aquela que deixou sobre meus cuidados o filho doente, está para presenciar meu fim. E é bom que esteja, para memorizar o que tenho a dizer.