Capítulo 2 - Sua nova casa (gatilho ansiedade)

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O desespero te sufoca pelo prazer
de te ver morrer aos poucos





Helena Bianchi
Terça-feira, 24 de Novembro de 2020
Monte Carlo, Mônaco

Chegamos de madrugada, levando em conta que saímos às oito da noite, chegamos aqui às duas e meia da manhã.

Fiquei parada no meio da sala igual um poste, ainda agarrada ao urso que Charles tinha me dado, como se aquele amontoado de pelos fossem me proteger do perigo que minha mente ansiosa acreditava existir em cada mínima coisa. Tudo isso era cansativo.

— Ei, Lele! – Charles parou na minha frente. – Vamos conhecer seu quarto? A gente vai decorar ele melhor, mas precisávamos da sua opinião, minha mãe que ajudou a comprar boa parte das coisas.

— Tudo bem, parceiro! – Disse uma das gírias que o próprio Charles me ensinou durante o voo.

— Olha as coisas que tu ensina para a criança, Charles! – Jules reclama.

— Não ligue para o seu pai, ele é chato.

Charles segurou minha mão e me puxou até a última porta do corredor, abriu e apontou. Eu entrei primeiro e observei o cômodo.

— A gente escolheu tudo em tons claros porque não sabia as cores que você gostava. – Meu pai tomou a fala. – Ali é a porta do banheiro. – Ele aponta para um porta que tinha o espelho na frente. – Coloquei aquele sofá ali para você ler, ficar vendo o pôr do sol ou o'que mais quiser. – Mostrou o parapeito da janela que era todo acolchoado e tinha algumas almofadas e mantas.

— Aqui do lado da porta de entrada tem a porta do closet, nem eu e nem seu pai escolhemos roupas porque temos o mesmo gosto questionável, mas quando você se sentir confortável podemos sair e comprar. – Tio Charles completou.

— Tudo bem, podemos comprar depois. – Coloquei o urso em cima da cama.

— Quer descansar? Já são quase quatro da manhã. – Olhei nos olhos castanhos de papai.

Como eu diria a ele que estava com medo de dormir sozinha? Que meu coração estava batendo desenfreado no peito e eu sabia que ia chorar até minha cabeça explodir e que mesmo assim não conseguiria dormir?

— Pode ser. – Fingi um bocejo.

— Tem um pijama que minha mãe deixou para você vestir assim que chegasse, tem peças íntimas também, produtos acho que vai ter que usar os do Jules. Cara, sinceramente, a gente precisa comprar tudo para ela! – Tio Charles resmungou a última parte para meu pai que assentiu.

— Eu vou buscar tudo tá? Volto rapidinho.

Meu pai foi buscar as coisas e tio Charles olhou para mim, sorrindo travesso, da mesma maneira que sorriu no avião quando estava me ensinando as coisas que faziam papai querer arrancar os cabelos.

— Amanhã, no caso mais tarde, vamos para a sua primeira consulta no psicólogo e psiquiatra, depois de lá podemos ir comprar suas coisas e dona Pascale, vulgo minha mãe, pode ir junto se você for se sentir mais confortável.

— Tudo bem, eu quero conhecer Monte Carlo. – Eu confirmei e ele sorriu.

Papai chegou, deixou as coisas no banheiro e saiu arrastando o tio Charles do quarto.

Respirei fundo quando já estava sozinha, engolindo o bolo presente na garganta, já forçando contra o fundo da minha própria cabeça a sensação constante de medo, eu agora estava com meu pai, em um país diferente e nada poderia dar errado.

Foi repetindo o mantra de que tudo daria certo, que eu tomei banho e lavei meus cabelos, demorando um pouco debaixo do jato quente de água. Saí do banheiro enrolada no roupão e com uma toalha enrolando meus cabelos, vesti o conjunto de calcinha e sutiã, mas permaneci com o roupão para poder pentear meus cabelos.

Me olhei no espelho e a vontade de chorar foi automática. Mordi meu lábio inferior para prender o soluço, me abaixei e agarrei meus joelhos, largando a escova de cabelos de todo jeito no chão.

Me encolhi contra meu próprio corpo, forçando minhas pernas contra meu peito, escondendo o rosto naquele vão, tentando abafar os soluços, enquanto batia as mãos, uma de cada lado da cabeça. Sentia minha cabeça latejar, mas sabia que não pararia até que a dor física fosse tão grande quanto a emocional.

Meu coração latejava contra a caixa torácica, batendo tão forte quanto as outras vezes. Tava doendo demais. Mas, eu precisava que doesse mais se quisesse substituir uma dor pela outra.

— Helena! – Ouvi uma voz abafada soar um pouco longe.

— Ei, Lele! – Outra voz soava junto à primeira.

Ambas as vozes me chamavam mas eu não conseguia responder e duvidava que fosse conseguir, da minha garganta só saíam soluços.

— Helena! – Senti duas mãos segurarem meu rosto, uma de cada lado, enquanto outro par seguravam as minhas contra minhas costas na intenção de tentar evitar que eu me batesse ainda mais. – Sou eu, Charles. – A voz soou suave. – Respira comigo, gatinha.

Eu comecei a seguir a respiração que meu tio fazia em minha frente, demorando quase quinze minutos para realizar tal ato sem soluçar.

— Consegue me ouvir melhor? – Assenti. – Ainda vai se bater? – Neguei. – Pode soltar ela, Jules. – Meu pai me soltou.

Senti meu corpo, completamente fraco, ceder para trás. Papai me segurou, me abraçando por trás, usando uma das mãos pra fazer carinho nos meus cabelos molhados.

— Você tá bem? – Tio Charles perguntou.

— Eu tô bem, é... – Engoli em seco, apertando a mão livre de papai. – Apesar de não dormir, do nervosismo, do constante medo aterrorizador de alguma tragédia acontecer. – Respirei suavemente, puxando o ar pelo nariz e soltando pela boca. – É como um ataque de pânico, eu não consigo nem respirar.

— Como um afogamento? – Mirei os olhos verdes de Charles, neles passavam conforto, como se o dono daquelas orbes soubesse que sentimento era esse, mesmo que por outros motivos.

— É... – Respondi. – Quando uma pessoa está se afogando, não se respira até pouco antes de apagar. Quando você deixa a água entrar é que a dor vai embora. – Olhei para papai e depois para tio Charles. – Não dá mais medo, na verdade, acalma.

— Mas se segurar, até o reflexo se manifestar, você tem mais tempo né? – O homem à minha frente perguntou.

— Não muito tempo. – Respondi.

— Tem mais tempo para tentar sair da água. – Ele falou e eu ponderei.

— Acho que sim.

— Mais tempo para ser salva. – Tio Charles segurou minha mão livre.

— Mais tempo para sentir uma dor horrível. – Falei com certo amargo na voz.

— Mas se o'que importa é viver, um pouco de agonia não vale a pena?

Eu não tinha respostas para aquela pergunta, o final de fato tinha me pego de surpresa.

— Vem, filha, deixa a gente te ajudar. – Meu pai disse após um certo período de silêncio.

Eles me levantaram e eu deixei que fosse me guiando como se eu fosse um boneco. A pergunta que Charles me fez estava perambulando pela minha cabeça.

Quando me dei conta, meus cabelos estavam escovados e eu estava, deitada debaixo das cobertas quentinhas.

— Se sente melhor? – Papai perguntou e eu assenti.

— Obrigada por tudo, papai e tio Charles. – Me abracei ao urso gigante e o sono veio como num passe de mágica.

Un Regard | Arthur LeclercOnde histórias criam vida. Descubra agora