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Quantidade de palavras: 1000
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Vovô estava internado no hospital. De novo. A cena dele deitado nos lençóis friamente brancos da maca me dava calafrios. Tremia apenas ao vê-lo, os médicos até ficaram preocupados comigo por conta do suor frio e da tremedeira, mas sempre dizia a eles que estava tudo bem.

Passou-se um dia desde que o vovô não acordava, àquela altura eu estava entrando em pânico.

- Haruki, não tema, ele ficará bem.

Os médicos nos olhavam com pena. Os babacas sabiam que ele estava morrendo e não falavam porcaria nenhuma.

- Ren, filho, venha cá.

Minha mãe tirava de mim o Ren que me confortava.

Os médicos correram até nossa direção e falaram tristemente:

- Ele está acordado, quer falar com o senhor Haruki.

Corri em direção à sala. Os médicos nos vigiavam de longe, meu avô estava... horrível.

- Olhe filho... por favor, sei qual sua visão sobre a vida... mas... não faça isso consigo mesmo. Você é um rapaz de ouro, você não merece esse fim, pelo menos não por agora. Não desista.

Ele começou. Meus olhos começaram a encher-se de lágrimas e apertei a mão do meu avô, como se de alguma forma, impedisse que ele fosse embora:

- Não me deixe...

- Sua vida ainda não acabou... ao contrário da minha... corra atrás do que você acha que é certo. Não tem noção do quanto fiquei feliz ao ver que você arranjou Aoto...

- Eu não sei o que vou fazer sem você... Não me deixe... Ele me deixou, eu não tenho mais ninguém...

Soluçava tanto que dificultava minha fala.

- Eu confio em vocês dois... eu confio em você, meu garoto. Eu confio que você sobreviverá disso tudo... e eu confio que você vai ficar ainda mais forte do que já é...

Ele tossiu, e eu mal enxergava, os médicos estavam calados e completamente sentidos, estava tudo embaçado:

- Não me deixe...

- Lá de cima, eu verei você conquistando o mundo, eu ficarei muito orgulhoso do meu garoto, do meu filho, do homem que eu eduquei e criei... O seu destino é o sucesso, você nasceu como uma estrela... uma estrela que brilhará muito forte, pelo menos para mim.

E tossiu mais um pouco, porém sorridente. Alguém no meio dos médicos perdeu sua postura profissional e começou a chorar baixinho.

- Não me deixe...

- O meu garoto que vai conquistar seu homem novamente e que vai viver feliz... não acabou meu filho. Vocês ainda se amam, eu vejo nos olhos dele, e nos seus...

Me abraçou. Eu já não tinha capacidade para falar.

- Deixe-me orgulhoso como você sempre deixou... eu te amo, garotão...

Suas mãos caíram. Ele não respirava mais. Estava começando a perder a cor e o calor. Abracei seu corpo e gritei, um grito tão doloroso que nem parecia humano. Uma dor tão imensa por dentro de mim parecia me corroer e me consumir por inteiro. Eu não podia fazer nada, nada o faria voltar. Eu nunca mais veria seu sorriso banguela. Eu nunca mais veria sua muleta largada pela casa. Eu nunca mais o ouviria falando que ainda era jovem e que não precisava daquela coisa, quando claramente precisava. Eu nunca mais ouviria seus conselhos. Eu nunca mais sentiria seu abraço. Eu nunca mais sentiria sua barba grisalha roçar na minha testa quando deitava no seu colo numa recaída. Eu nunca mais ouviria sua voz rouca e grave. Eu nunca mais conheceria alguém como ele. Nunca. Nem me incomodava mais com os médicos tentando me arrancar do seu corpo. Eu não queria sair. Eu não queria acreditar.

Eu finalmente o perdi. E era como se tivesse perdido minha vontade de respirar, de viver, de pensar, de existir. Era para ele quem eu existia, e com ele indo embora, não havia motivo para continuar.

Depois que os médicos me arrancaram à força de perto dele, sentei no banco, e esperei meus pais chorosos resolverem algumas coisas. Ren estava ao meu lado, com um olhar que esbanjava ternura.

- Haruki, eu sinto muito...

Ver Ren só me dava mais vontade ainda de chorar. Sabia que ele tinha o mesmo destino.

- Eu quero ir embora. Eu nunca mais quero voltar aqui. Eu nunca mais vou...

Lágrimas rolaram novamente. Meu peito doía.

- Seus pais estão quase acabando, vamos para casa já já. Aguente firme, okay? Vou atrás deles.

Ren deixou seu posto ao meu lado no banco.

Chorei de novo. E muito. Todos que passavam ficavam chocados com meu estado. Quando crianças puxavam as calças ou as saias dos pais para perguntar. Quando me reconheciam, tentavam me arrancar palavras. Todos idiotas, babacas, odiava todo mundo. Ninguém dentro daquele hospital de merda prestava. Até que me lembrei de alguém:

- Querido?

Uma voz suave e doce. Preocupada e calorosa. Sayuri.

- Sayu...?

Olhei para cima com os olhos brilhantes. Ela olhou-me assustada.

- O que aconteceu, docinho? Você está bem?

Suas mãos suavemente passaram por meus cabelos, me senti como uma criança. Comecei a chorar de novo. Um médico sussurrou ao ouvido dela e ela colocou a mão na boca para esconder a surpresa. Seu olhar estava distante e triste.

- Ah, querido... eu sinto muito...

Sua voz era tão emotiva que mais lágrimas começaram a rolar por meu rosto. Doía. Meus olhos doíam. Minha garganta doía. Meu coração doía.

- Eu... nem sei o que falar. Haruki...

Ela sentou-se ao meu lado e passou a mão pelas minhas costas.

- Vem.

Sayuri abriu os braços, dando sinal verde para um abraço. Eu a abracei e chorei.

Aquela foi a vez que eu mais chorei na minha vida.

Foi a vez que eu mais me senti miserável.

Foi a vez que eu mais me senti triste.

Foi a vez que eu mais me senti horrível.

Foi a vez que eu mais me senti injustiçado.

Foi a vez que eu mais quis morrer.

Foi a vez que eu mais me senti morto.
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Revisei este capítulo sob ameaças.

Quero deixar claro que foi torturante. E piora. Não estou preparado, então espero que vocês estejam. De verdade.

#‹𝑶𝒍𝒉𝒂𝒓 𝑪𝒂𝒓𝒎𝒆𝒔𝒊𝒎˚₊Where stories live. Discover now