26a. Engano (Kunhã Rendy)

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 Ao ver meu irmão sair pela porta da casa grande com Mitã'ĩ, meu coração fica apertado. Não consigo definir a sensação, apenas uma angústia, como agulhas de cardo me machucando. Meus olhos ficam úmidos momentaneamente, limpo-os com as palmas de minhas mãos. Suspiro buscando equilíbrio e saio acompanhando-os um pouco atrás, para que não vejam meu estado de espírito. Fico olhando eles sumirem na mata, em direção ao sol nascente. Os raios deste batem direto em meu rosto, fazendo meus olhos apertarem involuntariamente para se livrarem do incômodo da claridade excessiva, como se o sol os engolisse. Demoro-me um pouco e aceno de volta para eles. Só então volto-me para dentro da casa. Minha mãe parece tranquila e está novamente com a idosa, parecem entrosadas. Decido sair e dar uma volta. Gostaria de encontrar o local onde a moça grávida está, conversar com ela, saber mais das coisas que ela começou a me falar.

Pego minha aljava com o arco e flechas. Pego também minha faca, que está em um sapikwá, e coloco-a em um lugar em meu cinto que é específico para isso. Saio pela porta lateral onde vi a moça sair mais cedo. Já do lado de fora, procuro por um caminho, seguindo rastros no barro que penso ser dela e das crianças. O chão está úmido e frio. Água ainda escorre das folhas. Há barro em alguns lugares. Gotas d'água ainda nas folhas refletem a luz do sol. São como pequenos sóis no céu verde das folhas. Observo.

Os rastros vão por um caminho não muito claro na floresta, mas consigo distinguir que são de um adulto e duas crianças. Decido-me por seguir por ali também. No entanto, antes que eu entre muito pela floresta, ouço um barulho distante de vozes, como um burburinho baixo. Forço meus ouvidos e distingo que são vozes de homens. Estaco diante delas. Sei que não é a voz de xe kyvy'i e que não é ele voltando. Imediatamente, um pensamento assustador passa rápido por minha cabeça: por que os homens estariam voltando? Já estou meio oculta entre árvores, mas procuro me esconder ainda mais e ver exatamente de onde vem os sons. E percebo que são eles mesmo. Ou melhor, parte deles.

Antes que eu possa pensar no que fazer, alguém tampa a minha boca e me puxa. Levanto minhas mãos segurando as que me impedem de gritar, meus olhos estão esbugalhados e meu coração acelera-se. Olho assustada e vejo que é a jovem moça grávida. Ela tenta me arrastar no sentido de me esconder e faz sinal que eu fique em silêncio. Sem entender e assustada com aquela sua intervenção, eu a sigo.

— O que foi? – pergunto num sussurro quando ela libera minha boca, meu coração aos saltos.

— Shiii! – é somente o sinal de silêncio que ela faz. – Eles não podem te ver aqui!

— Eles quem? Por que não?

A moça continua fazendo sinal de silêncio. Os homens, em uma quantidade de dedos de duas mãos, passam por nós em direção à casa. A moça continua em minha frente, forçando-me a abaixar e a me ocultar entre os arbustos frondosos e a vegetação rasteira, ainda molhados de chuva. Observo agachada. Os homens, movem-se maciços e determinados. Percebo que, enquanto eles entram por uma porta, a idosa sai por outra puxando ou arrastando minha mãe. Sinto um calafrio percorrer todo o meu corpo, descendo pela coluna. O medo invade meu estômago fazendo-o se revolver. Rapidamente elas somem na floresta.

Liberto-me da jovem e saio correndo atrás delas, esgueirando-me pelas árvores e pelas sombras, tentando me movimentar o mais silenciosamente possível. Rapidamente as alcanço. Ao me ver a idosa se assusta.

— O que está fazendo aqui, menina? Corre. Some.

A moça, com olhos apavorados, chega e tenta me puxar em direção contrária:

— Vamos! Vem comigo!

— Eu não vou a lugar nenhum sem minha mãe. Solta a minha mãe. – Digo agressiva à idosa e puxo minha mãe das mãos dela.

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Where stories live. Discover now