32a. No campo das guaviras (Avá Verá)

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Deixamos a região dos sacrifícios e assassinatos para trás e adentramos definitivamente na mata. Adornado é muito rápido. Tenho muita dificuldade de acompanhá-lo, mas faço o melhor que posso. De quando em quando, ele diminui o ritmo, ou mesmo para, para que eu possa alcançá-lo. Em um desses momentos, escuto o urro de várias onças. Não consigo entender o que isso pode significar, pois não vi rastros nem sinais desses animais nesse território. Tremo ao escutar o som selvagem característico deles.

— O que foi isso? – pergunto ofegante ao olhar para trás, mas sem distinguir nada.

— Aparentemente são onças. Ainda que não tenha visto antes onças por aqui. Mas eu não sou muito frequente às essas bandas, então não sei dizer exatamente o que é. O que me parece, pelos sons e cheiros que sinto, é que não são onças como as que conhecemos do território Te'ýi. Essas daqui parecem ser de outras raças e tipos.

Eu não entendo o que ele quis dizer. Ele continua andando e falando: 

— Mas estamos longe delas. Temos que nos preocupar agora é com os homens que estão a caminho. Eles são caçadores cruéis e tem o instinto dos felinos junto aos dos homens, por isso caçam presas humanas. Precisamos chegar ao morro mais adiante e preparar uma emboscada, senão eles nos encurralarão e nos matarão.

— Mas como faremos isso? Eu não conheço esse território e você também parece que não.

Ele então para e dá um assobio agudo e intenso, como um pio triste de alguma ave. Imediatamente percebo movimentos nos galhos das árvores. Alguém, ou algo se aproxima. Então vejo o rapaz do clã Jacu Ypy, aquele que havíamos encontrado, mitã'ĩ e eu, no campo de guaviras. Ele se aproxima, se movendo de galho em galho, de cipó em cipó, como macaco ou mico. Depois, com um salto, se coloca ao nosso lado.

— Me chamou? – ele pergunta ao jovem enfeitado.

— Precisamos de sua ajuda para sairmos daqui – Adornado diz. – Os Jagwaretês Ypy estão em nosso encalço. Você habita e é senhor dessas paragens. O que recomenda? O rapaz aqui – me indica num sorriso meio irônico, meio desafiador – É protegido dos Avaetês de Nhande Ryke'y Tee Va'e. Dessa forma, há Avaetês que estão vindo na nossa cola também, ainda que não visíveis. Mas você sabe que eles não podem agir no mundo físico sem uma ordem direta do Grande Dono.

— Lutar com Jagwaretê Ypy não é uma tarefa fácil. Mas o rapaz já deu provas que ele é forte e corajoso. E sagaz. Já eliminou alguns lá atrás, que eu já soube, pela rede de informação da floresta – sorri. – Só que ele só tem condições de eliminar o corpo físico humano. E esses seres são mais do que isso.

— Do que você está falando? – pergunta Adornado.

— Os que foram mortos se transmudaram em onças e logo sentirão os cheiros dos humanos e também virão para cá.

— Ah... Então essa é a razão dos urros de onças. – Adornado diz, olhando para mim.

Fico assustado com o que o jovem do clã Jacu Ypy falou. Eu não sei o que temo mais, se os homens ou se eles transmutados. Mas acho que eles devem ser ainda piores como onças.

— Temos alguma chance se os dividirmos e separarmos – continua o Jacu Ypy – Enganando-os com pistas falsas. Assim poderemos rumar para o grande lago que existe no desfiladeiro para o lado do sol poente, próximo ao território das guaviras.

— O que você propõe, exatamente? – pergunta Adornado, sem colocar minha irmã no chão. Percebo que Jacu Ypy está curioso com a cena.

— Para atravessar além do território das guaviras, existem duas possibilidades. Uma é diretamente pela água, que é uma correnteza muito forte e cheia de pedras, a outra é pela ponte de cipós. Ambas são arriscadas, mas a ponte é a única chance dos humanos – olha para nós. – Depois de atravessarmos, os encurralaremos e livraremos a terra dessa cruel tribo. Coisa que já precisava ter acontecido há muito. No entanto, precisamos correr. Esse clã é muito forte, rápido e traiçoeiro. Como já disse, as nossas chances são poucas.

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Where stories live. Discover now