10b. Amay (Avá Verá)

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Comecei a servir o tereré. Mas o silêncio era angustiante, com exceção de meu irmãozinho, que já naquele momento começava a dar mostras de não estar bem e reclamava e choramingava passando do colo do pai para o da mãe e voltando para mãe em seguida. Pensei que, talvez, meus pais quisessem ficar a sós para conversarem, então chamei Mitã'ĩ para gente brincar de jogar flechas, brincadeira que ele gostava muito. Mas ele recusou choramingando. Chamei para gente subir em árvores. Mas ele também não quis ir. Falei para gente colher frutas. Aí ele começou a se animar um pouco. Então passei o tereré para minha mãe, ergui meu irmãozinho e saímos. Fomos até às árvores frutíferas e brincamos um bom tempo. Quando voltamos, meus pais não estavam mais lá fora.

Entrei na casa grande com meu irmãozinho nas costas e então o coloquei no chão. Meu pai estava com minha mãe na rede deles. Minha irmã dormia, ou fingia dormir, para não ser testemunha de coisas... E como ela não podia sair, tinha que ficar ali. De vela!

Para Mitã'ĩ, essas coisas não incomodavam ainda, e ele correu para rede de meus pais, que tiveram de adiar o que, eu acho, eles pretendiam fazer. Nessas horas, tenho vontade de me casar logo. Primeiro para não ter que ficar "vendo" coisas, depois porque é muito difícil aguentar nessa idade a exposição na casa grande e arredores.

Saí novamente e fui pegar mais lenha para o fogo. A noite prometia ser muito fria, e já estava escurecendo. Fiz o trajeto por umas três vezes, reabastecendo nosso fogo doméstico de lenha. Meus pais ainda brincavam com Mitã'ĩ. Reavivei o fogo e depois fui para minha rede. Em um outro fogo doméstico, um pouco mais adiante, minha prima Amaý também estava se deitando. Ela é um pouco mais velha que minha irmã, pois já deve ter um inverno, mais ou menos, que ela passou pela iniciação. Seus cabelos já estão crescidos.

Amaý significa água de chuva, e eu fiquei olhando para minha prima e pensando no quão é gostoso estar em casa. Chuva para mim me lembra minha casa, minha família, meu lar. Adoro dormir ouvindo o barulho da chuva caindo. É um som suave, tão tranquilo, como eu imaginava ser minha prima. Eu não me lembrava de que ela era tão bonita. De repente, do nada, tive vontade de poder dormir na mesma rede que ela, ao barulho de água de chuva caindo sobre a casa grande.

Minha prima percebeu que eu estava olhando para ela e sorriu para mim. Senti meu rosto queimar e devolvi o sorriso. Ela agora era uma moça. Uma moça ainda menina. Seu corpo estava completamente formado. Seus enfeites a deixavam maravilhosa sob o brilho do crepitar do fogo deles. Ela se virou e foi dormir. E eu decidi fazer o mesmo. Meu corpo estava estranho. Algumas sensações que vinha experimentando nos últimos meses estavam muito intensas. Tive medo e vergonha de que outros percebessem. Mas ninguém estava olhando. Dormi.

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Acordo cedo, com o barulho dos pássaros e outros animais na floresta. De manhã, a floresta surpreende com seu alvoroço. Percebo que quase todos ainda estão dormindo. Está bem frio, como tem sido nos últimos dias. A noite foi bem agitada, acordei várias vezes com minha mãe atendendo Mitã'ĩ. Ora ele gemia, ora chorava, e até chegou a vomitar. Xe rendy também se remexeu muito, durante a noite, em sua rede.

Me levanto, pego uns apetrechos e saio. A intenção é ir na nossa nascente pegar água, mas também ir no rio tomar banho e ver se tem algum animal ou peixes nas nossas armadilhas. Ao passar pela porta, sinto o frio da ausência do fogo. Percebo Amaý no pátio, provavelmente também indo tomar banho. Ela ri para mim e depois sai correndo. Talvez com vergonha. O que será que ela tem? A vontade é correr atrás dela. Mas me controlo.

Tomo o banho e vou em busca das armadilhas. Nada na armadilha do rio. Nada em todas as outras armadilhas armadas na floresta. Parece que os animais e peixes se ausentaram. Retorno. Passo pela nossa nascente, pego a vasilha com a água e sigo pelo nosso trilheiro. Chego perto da casa grande e, antes de entrar no pátio, escuto um barulho. São passos. E então sinto duas mãos em minhas costas me empurrando. E antes que eu me vire, percebo que é minha prima Amaý que já está fugindo, correndo e dando risadas. Deposito a cabaça com água no chão e saio correndo atrás dela. Claro que sou mais rápido e logo a alcanço, segurando-a.

— Me larga, primo! – ela me fala, e eu não sinto convicção nenhuma no que ela me pede.

Sei o que quero fazer com ela. Eu só não entendo por que quero. Até a algumas luas (meses) atrás, eu jamais tocaria nela. Nem a percebia antes, nem a notava. Mas agora, enquanto seguro firme o seu pulso, sinto uma corrente elétrica em todo meu corpo. Me aproximo mais dela empurrando-a contra uma árvore.

— Me larga, primo! – ela insiste, mas sem fazer nenhum movimento para se livrar de mim.

Estou bem perto dela agora. Sinto que ela está embaraçada, mas não necessariamente que ela esteja com raiva. Pelo contrário. Aperto seus pulsos sobre sua cabeça, contra o tronco da árvore. Agora já sinto o seu calor e perfume e pressinto o que será tocar naquele corpo molhado, com o meu.

— Para, primo – ela fala. Sua voz é ofegante, cheia de desejo. Como o meu corpo agora. Aproximo os meus lábios dos dela e a beijo. Ela não coloca nenhum impedimento, nenhuma resistência. Seus lábios são suaves, sua boca doce. Devagar, afrouxo minhas mãos em seus pulsos e solto seus braços. Meu corpo agora já está colado ao dela. Há um fogo subindo de nós. Coloco minhas mãos em suas costas e me aproximo ainda mais. Meu corpo é todo desejo.

Só então ela meempurra, se desvencilhando, e sai correndo. Eu queria correr atrás e pegá-lanovamente. Mas sei que terei outros momentos. Outras oportunidades. Mas agorame limito a pegar a cabaça de água, jogar um pouco sobre mim e voltar para casagrande. 

(1026 palavras)

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Where stories live. Discover now