1 (parte b). O mundo invisível de Jegwaká

1.3K 122 24
                                    

Invisíveis aos olhos humanos, eles surgem aos poucos. Como que rompendo membranas de organismos vivos, atravessam as divisas dos patamares, chegando ao patamar terrestre. Dezenas de seres, talvez centenas, a perspectiva varia dependendo de como planam intangíveis. Parecem miragens febris, como uma forma plena de uma fumaça translúcida, iluminada por cores diversas. Pertencem às várias cores e elementos onde habitam. Muitos são animalescos, outros híbridos e alguns como humanos. 

Primeiro os Anháy, muitos deles. Não têm uma forma definida. Seus corpos de não-matéria dissolvem e se reconstroem como uma fumaça brilhante ou a neblina em redemoinho. Como é de sua natureza, riem e caçoam, provocam os outros. Em seguida surgem os yvyra'ija, voando e planando em sua forma de pássaros gigantes. Executam graciosas acrobacias atraindo nuvens, ajuntando-as ou dissolvendo-as ao seu bem querer. Também aparecem os jagwarete ypy, os ferozes seres em forma de onças, que são surgidos da Grande avó das onças, os mais cruéis e sanguinários seres.

As dimensões se estreitam e se abrem à passagem de cada um. Parecem bolhas de arco-íris que estouram trazendo-os a esse mundo, muitos são vizinhos de planos distintos. Outros de outros patamares mais afastados. Há ainda aqueles de mundos muito próximos à terra. O tempo é visto e sentido ao avesso. Já estão por aqui alguns e os outros aos poucos chegam. Tudo acontece em espaços de instantes, quase que num piscar de olhos humanos. Como no bater de asas de um beija-flor, vibram em silêncio, unidos em consonância com seu propósito. Suas estaturas são grandes, intimidadoras, sua percepção é diferente da humana. Donos de vontades e desejos ancestrais, muitos são quase tão antigos quanto o surgimento dos primeiros deuses.

Os seres planam subindo e descendo. Aparecendo e desaparecendo. Suas presenças são como nuvens escuras de vento, quente, como uma tempestade elétrica. Seus olhos são como indivíduos odiosos. Olhares carregados, vermelhos, roxos, amarelos, brancos, todos vingativos. Irradiam um desprezo infinito. Ódio que purga, como chagas, o ambiente. Anseiam, querem, têm fome.

Agora é possível ver também, planando junto aos outros, sobre os arredores da casa grande, os avaete. Estes têm suas moradas no Yvypopy, uma região entre a Terra e o Paraíso e são enviados de diferentes deuses: aparece o Aragwyra Gwasu, o grande pássaro do firmamento, enviado de Nhande Ramõi e Nhande Jari. Também surgem Tupambi e Yvakaju, os chefes dos donos dos tronos, o avaete de Nhande Ru. Por fim, mas não menos imponentes, Tata Vera Gwasu e Tata Vera Mirĩ: os avaete de Nhande Sy.

Se reconhecem aos poucos conforme descendem à terra. Todos enfeitados ao extremo, como numa festa. Se encaminham conforme são atraídos a esse espaço físico. Convergem como varejeiras numa carcaça animal. Respondem ao chamado e ao plano perpetuado a tanto tempo.

Do alto observam impassíveis, logo abaixo, a imponente casa grande e os arredores. Com a base retangular, cobertura de sapé que desce ao chão, a enorme casa tem a aparência de uma canoa emborcada. Há somente um pequeno espaço cercando a casa que é aberto dentro da imensidão verde.

Em espaços próximos ao solo, agora os Ma'etirõ se fazem perceptíveis aos seres celestiais, demarcam seu território. Dentre eles, o senhor das cobras, o senhor das lagartas e Kurupiry, que é o senhor das pedras. Em posse deste um kwatiarã, o rolo com o nome de um dos Escolhidos. Ele o ergue como em desafio, como uma conclamação. Outros seres respondem em grande algazarra.

Os seres, tanto os que se encontram nos ares, como os que estão em terra, acompanham os acontecimentos da casa grande, manipulando-os. Se deliciam com o sofrimento, dividem-se para melhor comprazerem-se com a dor deles. Alguns seguem com o grupo de homens, outros com a mulher que foge desesperada com os filhos, outros ainda continuam sobre a casa. São como parasitas que se alimentam de todos. Corroendo-os de dentro para fora.


(Estes são alguns dos seres do mundo de "Jegwaka: o clã do centro da Terra". Mais cedo ou mais tarde você vai se deparar com algum deles no livro. Fique atento e CUIDADO!) 


634 palavras 

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Where stories live. Discover now