28a: Enfrentando o caminho (Avá Verá)

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Perco as forças, sinto náuseas, minhas pernas cambaleiam, se curvam e tombam pesadas. Caio de joelhos no chão. Apoio minhas mãos em minhas pernas e minha cabeça pende para frente. O mundo escurece e roda. Algo revira em meu estômago e sobe para minha boca. Vomito terrivelmente: uma vez, de novo e de novo. Começo a tremer descontroladamente, o esforço me enfraquece. Meus olhos turvam, minha respiração fica descompassada, a cabeça lateja forte. Puxo pelo ar, mas ele não vem de forma suficiente. Então inspiro e inspiro. O coração soa alto em meus ouvidos.

— O que foi, xe ryke'y? Você não está passando bem? – Mitã'ĩ se aproxima preocupado e coloca a mão em meu ombro.

Só então me lembro que ele está aqui. Me viro para ele. O mundo roda ainda mais. Me firmo nele e olho para seus olhinhos pretos, vívidos e inquisidores. Meu coração dá um baque e parece fugir pela boca, ou pelo ouvido. Meu irmãozinho não pode ver! Ele NÃO PODE VER! A nossa mãe está em pedaços, e não posso permitir que ele veja isso. Atraio-o para mim e o abraço, tampando seus olhos, recostando-o em meu peito. O aperto fortemente junto a mim. Estou completamente sem forças pelo medo, susto, pânico e desespero. Tenho que tirar meu irmãozinho daqui!

Firmando-me nele como posso, levanto-me. Olho em volta frenético, procurando uma saída para a situação. Uma porta mágica, talvez, por onde eu possa passar e tudo isso seja só um pesadelo.

— Olha ali a xe rendy! – Mitã'ĩ diz, demonstrando a ter visto nossa irmã na gaiola. – Temos que ir lá pegar ela! – Faz menção de ir na direção dela.

Xe Járy! Tomo o rosto dele em minhas mãos e o direciono a olhar em meu rosto, em meus olhos. Me abaixo um pouco para ficar da altura dele. Não quero e não posso deixar ele ficar olhando o que está acontecendo ali.

Mitã'ĩ ... – lhe digo firme e suavemente. – EU tenho que ir lá pegar nossa irmã. Mas ela está dormindo e eu vou ter que carregá-la. Eu preciso que você me escute e me obedeça.

Ele me olha e faz que sim com a cabeça. Me levanto quase cambaleante, viro-o em direção à mata e o empurro suavemente falando baixo:

— Eu vou precisar que você se esconda ali, debaixo daqueles galhos. E que fique muito quieto enquanto vou buscar sua irmã. – Falo apontando o local para ele.

— Tá. – Ele assente forte.

— Me promete que vai ficar escondido. Que não vai sair daí enquanto eu não voltar. – Falo, encarando-o com as mãos em seus ombros.

— Prometo.

Ele diz isso se abaixando e se escondendo enquanto seus olhinhos me encaram assustados. Eu estou ainda mais assustado que ele, com certeza. Não sei o que vai acontecer, se conseguirei libertar minha irmã, mas preciso tentar. Se eu falhar, será o fim de nós todos, como foi o da nossa mãe.

Quando me levanto para sair, meu irmãozinho me segura pelo braço. Me volto para ele.

— Você não pediu a proteção de nhande Járy. – Ele diz sussurrando.

Olho para ele e me emociono. É muito claro que, apesar de tão pequeno ainda, meu irmão já tem um relacionamento forte e íntimo com os Járys. Provavelmente ele será um xamã no futuro. Ele sempre se lembra, ainda que nós não. Mas este não é um bom momento para entoar cânticos de invocação de proteção. Qualquer barulho atrairá o grupo. Então me lembro de coisas que Pa'i Sumé disse. Na verdade, tudo vem muito bruscamente em minha mente. Como se estivesse sendo colocado ali por algum Járy:

"Existem antigas profecias, dos tempos do início. Talvez... de antes do início, que falam dos escolhidos, "os Tembiporavokwe". Existe uma Palavra que dá conta de um Járy, desconhecido da maioria das pessoas dos clãs atuais. Esse Járy habita o patamar mais alto de todos e é o Dono de pessoas de diferentes clãs. Ele não se limita a um só clã, mas como que contaminando, ele envia os seus para vários, talvez para todos os diferentes clãs. Estes escolhidos, por estarem em clãs que não reconhecem a este Járy, são, inicialmente, identificados como sendo provenientes de outros... Um Járy desconhecido dos Xamãs e não aceito pelos outros Járys. Um Dono que requer exclusividade. E com a vinda dos seus, ele vai tomando posse e requerendo as pessoas, o território. E não permite mais a dualidade no servir, não permite dualismo".

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Where stories live. Discover now