Doce Sabor de Pimenta (Degustação)

Capítulo 2

3 anos e meio depois

Júlia tentou ficar imóvel enquanto o técnico de som ajustava o microfone, prendendo-o na parte de trás de seu vestido.

Facilitara o trabalho da equipe, chegando com o cabelo devidamente preso, como o usava na confeitaria, quando um chapéu compunha o uniforme próprio para o trabalho. Quando acabava o expediente, ou quando estava de folga, sentia-se aliviada em deixar o cabelo solto. Há alguns anos, abandonara o alisamento e o usava natural, adorando o volume. Quanto à roupa, escolhera um vestido acinturado da cor vinho, que lhe ficava muito bem e um conjunto de brincos e colar que combinavam com o sapato de salto alto que usava. Além disso, já havia sido devidamente maquiada e embora não costumasse usar tanta maquiagem no dia a dia, gostara do resultado. Pelo menos, o maquiador tinha utilizado uma base de acordo com o seu tom de pele. Por bem pouco não lhe perguntou as referências, porque tinha sérias dificuldades em encontrar maquiagem adequada para sua pele. Algumas empresas ainda não entendiam que, mesmo entre a pele negra, existiam várias tonalidades e desenvolviam produtos únicos, esperando que as clientes se adequassem a eles, quando deveria ser o contrário. É verdade que já havia melhorado muito, mas nada parecido à diversidade de produtos conhecida em sua primeira viagem ao exterior.

Essa preocupação estética e um tanto fútil, diriam alguns, serviu para disfarçar seu nervosismo. Em alguns minutos estaria no ar para o país inteiro e sua apreensão não se devia à inexperiência diante das câmeras, mas ao fato de sua prima não ter ligado para lhe dizer se conseguira uma babá para ficar com seu filho.

- Sarah, se não conseguir, deixo tudo e volto para casa – havia declarado, quando se falaram pelo telefone, alguns minutos antes de o pessoal da produção chamá-la ao estúdio.

- Nem pense nisso, Júlia! Não devia ter lhe contado! – Sarah falou pausadamente, porque sentiu a apreensão da prima do outro lado da linha – Tem que curtir seu momento, mulher! O Lipe vai ficar bem. Quando é que lhe faltei com minha palavra?

- Nunca, Sarah... Só não queria que...

- Acho uma bobagem, sua mãe adoraria ficar com o neto, mas quem sou eu para ir contra suas determinações? Vou conseguir a melhor babá para o Lipe e, se falhar nessa missão, juro que eu mesma fico... O Wagner já está medicado e vai entender.

- Sei... – deixou escapar, pois duvidava disso.

- Se não entender, problema dele. Minha família em primeiro lugar – Sarah afirmou com tanta convicção que Júlia sorriu, pelo que a conhecia, sabia que estava falando a verdade.

Agora, faltando poucos minutos para entrar no ar, ainda não sabia se a prima havia conseguido alguém para substitui-la ou se havia deixado o namorado sozinho no hospital.

- Está bem? – Silvia, a apresentadora do programa Cozinha e Magia, sentou-se diante dela, despertando-a de seus pensamentos.

- Um pouco apreensiva – Júlia não faltou com a verdade, enquanto a apresentadora virava o alvo do rapaz responsável pelo áudio.

- Fique tranquila, vai tirar de letra. Pense em uma conversa com uma amiga. O primeiro e bloco será a nossa conversa e  no segundo  iremos para aquele lado – apontou o local do estúdio em que havia sido montada uma cozinha idêntica à que tinha em sua confeitaria – Mas, acho que lá estará mais à vontade do que eu – sorriu-lhe, cúmplice – Afinal, você faz mágica com aqueles doces! Tudo bem que deveria estar brigando com você, pois fez minha dieta ir para o espaço.

- Como se precisasse – Júlia sorriu diante do comentário. A mulher à sua frente era magra, não parecia alguém que vivesse à base de dieta.