Capítulo 4

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Ricardo achou que a mãe não tivesse motivos para preocupação até ver o Dr. Vicente. Ele não estava com um aspecto muito bom. Não o via há exatamente uma semana, porém, era como se tivesse envelhecido dez anos nestes dias.

- Sinto muito, tenho estado muito ocupado, Ricardo. Peça desculpas à sua mãe, porém, terei que me ausentar neste jantar de boas-vindas.

Ricardo ajeitou-se no sofá. Pensou em levantar e ir embora, porém, não conseguiu ficar de boca fechada.

- Há alguma coisa errada, Dr. Queiróz? Eu lhe conheço há tempo demais e não me parece bem.

- Estou velho – Dr. Vicente sorriu – Apenas isto. Aproveite a vida, Ricardo, porque passa rápido demais. Como uma máquina, as peças vão desgastando, dando defeito...

- Está doente? – perguntou preocupado.

- Estou falando de modo geral, pois tem gente que passa a vida inteira ganhando dinheiro e quando envelhece e tem a oportunidade de gastá-lo, já não tem disposição, tampouco saúde.

- Seja como for, quero dizer que pode contar comigo. Depois que o meu pai morreu, você é a figura masculina mais importante em minha vida – declarou de modo sincero – Quer dizer, na vida da nossa família.

Vicente engoliu em seco. Ricardo sempre fora bastante fechado, logo não esperava uma declaração daquele peso e de forma espontânea. Pensou no mal que fizera a ele e mais uma vez o sentimento de arrependimento o visitou. Aquele desfecho na igreja não saía de sua cabeça. Na ocasião, chegou a ir atrás de Ricardo, mas ele havia saído de carro, cantando os pneus.

- O que pensa que vai fazer? - Constância surgiu no estacionamento atrás da Igreja – Meu filho quer e precisa desse tempo sozinho.

- Pois saiba que a noiva desmaiou e aquilo lá virou um rebuliço.

- Mais um motivo para estar lá dentro, prestando socorro a ela, como médico.

- Entre os convidados da noiva há um médico também e ele está lá prestando os devidos socorros e o Edu já chamou uma ambulância.

- Se está tudo sob controle, qual foi sua intenção vindo atrás do Rico? Ele tomou a decisão dele, não interfira.

- Você provocou tudo isso, Constância, agora me pede para agir como se não tivesse nada a ver com o que aconteceu lá dentro?

- Nós provocamos, Vicente. Eu tive a ideia e com sua intervenção ela se concretizou. Sem a sua clínica, jamais teria dado certo.

- E você não se arrepende?

- Do que? De ser avó de um mestiço de cabelo crespo? – balançou a cabeça – Sinceramente, não.

- Independe de ser mestiço ou não terá sangue dos Vidal correndo em suas veias. Não se importa com isso? Com o futuro da criança?

- Daqui a uns anos essa moça já vai estar casada e terá dado a ele mais dois ou três irmãos, que é bem comum na periferia de onde veio. Talvez o novo marido seja alguém decente – deu de ombros – E até adote o bastardinho. O problema é dela, não meu.

- O Ricardo está sofrendo, não vê? – questionou inconformado.

- Antes agora do que depois, ao perceber a roubada em que se meteu. Nada que o tempo não cure. Meu filho é lindo e inteligente, esquecerá essa aventura num piscar de olhos. E tem outra, se você contar a verdade, o que acha que acontecerá com a sua clínica? O Conselho de Medicina vai adorar saber sobre a troca de diagnóstico.

Doce Sabor de Pimenta (Degustação)Where stories live. Discover now