Capítulo Um.

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Meu nome é Laura Camile Martins, tenho quinze anos e moro no Complexo do Alemão com minha mãe, que é doméstica, e posso dizer que sou uma criança feliz mesmo possuindo muito pouco. A vida dos moradores de favela é difícil, então não pense que todos os moradores têm uma ótima vida porque é mentira. Na favela, as pessoas com uma boa condição são os traficantes.

Não conheço meu pai, na verdade, eu nunca o vi, e só sou registrada no nome dele porque minha mãe entrou na justiça. Mas, eu imagino meu pai como um herói que jamais irei conhecer. Ou eu devo o imaginar assim.

O Complexo do Alemão não é bem uma favela que todos almejam morar por conta do atual comandante do tráfico de drogas, chamado apenas de DR. A população vive aterrorizada, todos chamam DR de Diabão, é um apelido adotado pela barbaridade que ele comete com o povo que por um acaso tremem de medo dele. Muitas pessoas contam histórias e essas histórias tiram o meu sono pela noite. Eu tenho medo dele.

Muito medo mesmo.

A realidade de hoje é completamente diferente. Vejo meninas de treze, quatorze e quinze anos se envolvendo com traficantes de dezessete, dezoito e dezenove anos e, por conta disso, a minha visão por ingenuidade não existe mais. É muito comum ver essas meninas novas se envolvendo com esse tipo de gente, mas essa é a realidade, e eu sou uma dessas meninas, mas não me envolvi porque quis.

Acontece que... quando a situação aperta, a gente busca outros meios para sobreviver num mundo perverso e maldoso.

Se você acha que foi um erro eu me envolver com um traficante aos quinze anos, eu sugiro que você vista uma saia longa e use um chapéu ridículo de cowboy e então volte para o século dezoito. Meu mundo é diferente e desde criança tenho uma outra visão sobre o mundo ao meu redor.

O mundo é uma verdadeira competição. Um maldito jogo.

Mas bem, chega de falar sobre a minha visão do mundo, quero o apresentar para vocês. Dessa forma, vocês podem conhecer tudo que eu vivi, e saber a minha visão sobre o mundo em que vivemos.

O quão doloroso pode ser lutar pela sobrevivência.

Eu não tive escolhas ao fazer o que eu fiz. Mas como outras meninas, me envolvi desde cedo e desde cedo perdi minha inocência. Não gosto dessa vida. Eu frequentava a igreja até me envolver com DR, e tinha um sonho de me formar em medicina, mas tive todos meus sonhos roubados.

Acontece que, hoje em dia, se você não for até o mal, ele vem até você. No meu caso, eu fui atrás do mal e isso me custou caro.

Muito caro mesmo.

***

Quarta-feira, onze e trinta da manhã, e o sol do Rio de Janeiro está mais quente que nunca. Deve estar fazendo uns quarenta graus, sem exagero, e nesse horário eu volto da escola morta de fome. Eu estudo na escola da prefeitura do Rio de Janeiro, e lá é uma boa escola, tem professores excelentes e a maioria dos alunos moram em favelas. Eu tenho quatorze anos, e irei completar quinze próximo mês e como todo aniversário, eu já sei que não terá nada. Minha mãe não tem condições financeiras e eu entendo isso.

Subo as escadarias sentindo o sol fervendo queimar a minha pele, a mochila pesa em minhas costas, já que hoje teve cinco horários e quatro livros, tirando o caderno. Mesmo com pouca idade, eu já sei muito sobre a vida, muito mesmo, eu vivo em uma realidade que esfregava isso em minha cara todos os dias.

Ainda mais, vivendo numa favela onde há a concentração do tráfico de drogas.

Se você acha que todo traficante é bonzinho você é iludido, não existe traficante bom. Acha que alguém do bem ia acabar com vidas? Matar gente? Roubar? Vender o vício para famílias? Destruir um lar?

Sonhos Roubados [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now