2. A Ilha de Monte Cristo

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           Finalmente, por uma dessas felicidades inesperadas com que às vezes se deparam aqueles a quem o rigor do destino por tanto tempo fatigou, Dantès iria chegar ao seu objetivo de maneira simples e natural, desembarcando na ilha sem despertar nenhuma suspeita.

          Apenas uma noite o separava da partida tão esperada.

          Aquela noite foi uma das mais febris da vida de Dantès. Enquanto ela durou, todas as possibilidades, favoráveis ou não, apresentaram-se sucessivamente ao seu espírito. Quando fechava os olhos, via a carta do cardeal Spada escrita em caracteres flamejantes sobre a muralha; quando adormecia por um instante, os sonhos mais loucos rodopiavam no seu cérebro. Descia em cavernas com chão de esmeraldas, paredes de rubis, estalactites de diamantes. As pérolas caíam gota a gota, à maneira como em geral transpira a água subterrânea.

          Edmond, fascinado, maravilhado, enchia os bolsos com as pedrarias; depois ele saía para o ar livre, e aquelas pedrarias transformavam-se em simples cascalho. Tentava então retornar às cavernas maravilhosas, tão-somente vislumbradas, mas o caminho retorcia-se em espirais infinitas: a entrada voltara a ficar invisível. Ele procurava inutilmente em sua memória cansada a palavra mágica e misteriosa que abria as esplêndidas cavernas de Ali Babá para o pescador árabe¹. Tudo era inútil; o tesouro desaparecido voltara a ser propriedade dos gênios da terra, dos quais por um instante ele tivera a esperança de roubá-lo.

          O dia apresentou-se quase tão febril quanto a noite; mas Dantès levou a lógica ao socorro da imaginação e conseguiu delinear um plano, até aquele momento vão e nebuloso em seu cérebro.

          Chegou a noite e, com ela, os preparativos para a partida. Tais preparativos eram uma forma de Dantès esconder sua agitação. Pouco a pouco, conquistara autoridade sobre seus companheiros, como se fosse o dono da embarcação; e como suas ordens eram sempre claras, precisas e fáceis de executar, seus companheiros obedeciam-lhe não apenas com prontidão, mas até mesmo com prazer.

          O velho homem do mar deixava-o agir. Ele também havia reconhecido a superioridade de Dantès sobre os outros marujos e sobre si próprio. Via naquele homem ainda jovem seu sucessor natural, e lamentava não ter uma filha para prender Edmond por meio dessa elevada aliança.

          Às sete horas da noite estava tudo pronto; às sete horas e dez minutos dobravam o farol justamente no momento em que este se acendia.

          O mar estava calmo, um vento fresco soprava do sudoeste; navegavam sob um céu azul, onde Deus também acendia sucessivamente seus faróis, cada qual um mundo em si. Dantès declarou que todos podiam ir se deitar, ele se encarregaria do leme.

          Quando o Maltês (assim chamavam Dantès) terminou de fazer semelhante declaração, era o que bastava, todos foram dormir tranqüilos.

          Isso acontecia algumas vezes: Dantès, rebento sozinho no mundo, sentia de vez em quando necessidades imperiosas de solidão. Ora, existe solidão ao mesmo tempo mais infinita e poética que a de um barco flutuando isolado no mar, na escuridão da noite, no silêncio da imensidão e sob o olhar do Senhor?

          Dessa vez a solidão foi povoada por seus pensamentos, a noite, iluminada por suas ilusões, o silêncio, animado por suas promessas.

          Quando o capitão acordou, o navio singrava a todo pano. Não havia um farrapo de lona que não estivesse inflado pelo vento; faziam mais de duas léguas e meia por hora.

          A ilha de Monte Cristo crescia no horizonte.

          Edmond entregou a embarcação ao seu dono e foi se deitar por sua vez na rede que lhe pertencia; porém, apesar da noite de insônia, não conseguiu pregar os olhos um só instante.

O Conde de Monte Cristo - Alexandre Dumas (Clássicos Zahar)Where stories live. Discover now