8. Cena Conjugal

298 21 2
                                    

          Os três rapazes haviam se separado na praça Luís XV, isto é, Morrel tomara a direção dos bulevares, Château-Renaud a da ponte da Revolução e Debray seguira o cais.

          Morrel e Château-Renaud, segundo toda probabilidade, encaminharam-se para seus lares domésticos, como ainda dizem na tribuna da Câmara, nos discursos bem-feitos, e no teatro da rua Richelieu ¹, nas peças bem escritas; mas o mesmo não se deu com Debray. Ao chegar à portinhola do Louvre, ele quebrou à esquerda, atravessou o Carroussel a passos largos, enveredou pela rua Saint-Roch, saiu na rua Michodière e alcançou a porta do sr. Danglars, exatamente no mesmo instante em que o landau do sr. de Villefort, após tê-lo deixado, a si e sua esposa, no faubourg Saint-Honoré, parava para deixar a baronesa em casa.

          Debray, sendo íntimo da casa, entrou primeiro no pátio, jogou as rédeas nas mãos de um criado, depois voltou ao portão para receber a sra. Danglars, a quem ofereceu o braço antes de se dirigirem aos seus aposentos.

          Uma vez fechado o portão, com a baronesa e Debray ainda no pátio, ele perguntou:

          — Que há com você, Hermine? Por que passou mal com aquele episódio, ou melhor, com aquela fábula que o conde contou?

          — Porque estava pessimamente disposta esta noite, meu amigo — respondeu a baronesa.

          — Não, Hermine — replicou Debray —, não vai me convencer disso. Ao contrário, você estava na melhor das disposições quando chegou à casa do conde. O sr. Danglars estava de fato um tanto casmurro; mas sei muito bem o quanto você liga para o mau humor dele. Alguém lhe fez alguma coisa. Pode me contar; sabe que nunca vou admitir que lhe façam uma impertinência.

          — Está enganado, Lucien, eu lhe asseguro — respondeu a sra. Danglars. — E as coisas aconteceram como eu lhe disse, além do mau humor que você percebeu e sobre o qual achei que não valia a pena falar.

          Era evidente que a sra. Danglars estava sob a influência de uma dessas irritações nervosas de que frequentemente as próprias mulheres não se dão conta, ou então, como presumira Debray, que ela dissimulava alguma comoção inconfessável. Como homem acostumado a considerar os calores um dos elementos da vida feminina, ele não insistiu, esperando o momento oportuno, fosse para uma nova indagação, fosse para uma confissão motu proprio ². À porta de seu quarto, a baronesa encontrou a srta. Cornélie. Esta era a camareira de confiança da baronesa.

          — O que minha filha está fazendo? — perguntou a sra. Danglars.

          — Estudou a noite inteira — respondeu a srta. Cornélie — e depois foi se deitar.

          — Entretanto tenho a impressão de ouvi-la ao piano?

          — É a srta. Louise d'Armilly que toca enquanto a senhorita está na cama.

          — Muito bem — disse a sra. Danglars. — Venha me despir.

          Entraram no quarto. Debray estendeu-se num grande sofá e a sra. Danglars entrou em seu toucador com a srta. Cornélie.

          — Meu caro sr. Lucien — principiou a sra. Danglars através da portinhola do toucador —, ainda censura Eugénie por não lhe dar a honra de lhe dirigir a palavra?

          — Senhora — disse Lucien, brincando com o cãozinho da baronesa, o qual, reconhecendo sua qualidade de amigo da casa, tinha o hábito de lhe fazer mil carícias —, não sou o único a recriminá-la, e outro dia creio ter ouvido Morcerf queixar-se pessoalmente à senhora por não conseguir arrancar uma palavra da noiva.

O Conde de Monte Cristo - Alexandre Dumas (Clássicos Zahar)Where stories live. Discover now