13. Píramo e Tisbe ¹

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          Quase no fim do faubourg Saint-Honoré, atrás de um belo palacete, notável entre as notáveis residências desse rico bairro, estende-se um vasto jardim cujas castanheiras frondosas ultrapassam os imensos paredões, altos como muralhas, e deixam, quando chega a primavera, cair suas folhas cor-de-rosa e brancas em dois vasos de pedra canelada, dispostos paralelamente sobre duas pilastras quadrangulares, nas quais se encaixa um portão gradeado da época de Luís XIII.

          Essa entrada grandiosa está condenada, a despeito dos magníficos gerânios que crescem nos dois vasos e que balançam ao vento suas folhas marmorizadas e suas flores roxas, desde que os donos da propriedade, e isso faz muito tempo, contentaram-se com a posse do palacete, do pátio cheio de árvores que dá para o faubourg e do jardim fechado por esse portão, que dava antigamente para uma magnífica horta de meio hectare, anexa à propriedade. Porém, tendo o demônio da especulação riscado uma linha, isto é, uma rua, na extremidade dessa horta, e tendo a rua, mesmo antes de existir, recebido, graças a uma reluzente placa de ferro, um nome, os donos pensaram em vender aquela horta para assim construir algo com vista para a rua e competir com essa grande artéria de Paris chamada faubourg Saint-Honoré.

          Em matéria de especulação, contudo, o homem põe e o dinheiro dispõe; a rua batizada morreu no berço: o comprador da horta, após ter pago pontualmente, não conseguiu revendê-la pela soma que pretendia e, esperando uma alta de preço que não podia deixar, cedo ou tarde, de indenizá-lo muito além de suas perdas passadas e do seu capital imobilizado, contentou-se em alugar aquele terreno a hortelões, mediante a soma de quinhentos francos por ano.

          Isso significava dinheiro empregado a meio por cento, o que não é muito para os tempos que correm, quando tanta gente o emprega a cinqüenta, e ainda considera o dinheiro um recurso medíocre.

          Entretanto, como dissemos, o portão gradeado do jardim, que antigamente dava para a horta, está condenado e a ferrugem corrói as suas dobradiças; e não é só isso: para que ignóbeis verdureiros não conspurquem com seus reles olhares o interior do terreno aristocrático, uma cerca de tábuas foi aplicada nas barras até uma altura de seis pés. É verdade que as tábuas não estão ajustadas a ponto de impedir um olhar furtivo por entre as brechas; mas essa casa é uma casa severa, que não teme as indiscrições.

          Nessa horta, em vez de couves, cenouras, rabanetes, ervilhas e melões, crescem grandes alfafas, única lavoura a sugerir que ainda se dá atenção àquele sítio abandonado. Um portãozinho baixo, abrindo-se para a rua planejada, dá acesso a esse terreno cercado de muros, que seus locatários acabam de abandonar em virtude de sua infertilidade, e que, depois de uma semana, em vez de render meio por cento, como no passado, não rende mais absolutamente nada.

          Do lado da residência, as mencionadas castanheiras que coroam o muro não impedem outras árvores luxuriantes e floridas de insinuar os galhos ávidos de ar por entre seus intervalos. Num canto onde a folhagem é tão frondosa que a luz mal penetra, um grande banco de pedra e cadeiras de jardim sugerem um local de reunião ou o refúgio favorito de algum morador do palacete, situado a cem passos, e que mal percebemos através da muralha verde que o cerca. Finalmente, a escolha desse recanto misterioso é ao mesmo tempo justificada pela ausência de sol, pelo frescor eterno, mesmo durante os dias mais quentes do verão, pelo chilrear dos pássaros e pela distância da casa e da rua, isto é, dos negócios e do barulho.

          À tardinha de um dos dias mais quentes que a primavera já proporcionou aos moradores de Paris, havia nesse banco de pedra um livro, uma sombrinha, uma cesta de costura e um lenço de cambraia começando a ser bordado; e, não longe desse banco, perto do portão, de pé diante das tábuas, espreitando a divisória da cerca, uma jovem mulher tinha seus olhos mergulhados por uma fenda no jardim deserto já nosso conhecido.

O Conde de Monte Cristo - Alexandre Dumas (Clássicos Zahar)Where stories live. Discover now