7. O Mendigo

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           A noite avançava; a sra. de Villefort manifestara o desejo de retornar a Paris, o que não ousara fazer a sra. Danglars, apesar do flagrante mal-estar que sentia.

          A pedido da mulher, o sr. de Villefort foi o primeiro a dar sinal de partida, oferecendo um lugar em seu landau à sra. Danglars, a fim de que esta se beneficiasse dos cuidados de sua esposa. Quanto ao sr. Danglars, absorto numa palestra industrial das mais interessantes com o sr. Cavalcanti, não prestava a mínima atenção ao que acontecia.

          Monte Cristo, enquanto pedia o frasco à sra. de Villefort, observara que o sr. de Villefort se aproximara da sra. Danglars. Orientado pela situação, adivinhara o que este lhe dissera, embora tivesse falado tão baixo que a própria sra. Danglars o escutara com dificuldade.

          Sem se opor a nenhum preparativo, permitiu que Morrel, Debray e Château-Renaud partissem a cavalo e que, no landau do sr. de Villefort, embarcassem as duas damas; Danglars, de sua parte, cada vez mais seduzido por Cavalcanti pai, convidou-o a acompanhá-lo em seu cupê.

          Quanto a Andrea Cavalcanti, dirigiu-se para o seu tílburi, que o aguardava em frente à porta, cujo enorme cavalo tordilho-chumbo era dominado por um groom, que exagerava nas mesuras à moda inglesa, alçando-se no bico das botas.

          Andrea não falara muito durante o jantar, tanto por ser um rapaz muito inteligente quanto pelo receio natural de dizer alguma tolice em meio àqueles convidados ricos e poderosos, dentre os quais seu olho dilatado, talvez não sem temor, percebesse um procurador do rei.

          Em seguida, fora monopolizado pelo sr. Danglars, que, após uma olhadela para o velho major de pescoço hirto e seu filho ainda um pouco tímido, e associando todos esses sintomas à hospitalidade de Monte Cristo, pensara estar lidando com algum nababo que viera a Paris para aperfeiçoar seu filho único na vida galante.

          Contemplara, portanto, com uma simpatia incomum o descomunal diamante que brilhava no dedo mínimo do major, pois o italiano, como homem prudente e experiente, com medo que acontecesse alguma coisa com seu dinheiro, transformara-o imediatamente num objeto de valor.

          Depois do jantar, sempre a pretexto da indústria e das viagens, Danglars questionara pai e filho sobre seu estilo de vida; e pai e filho, avisados de que era no estabelecimento de Danglars que deveria ser aberto, para um, seu crédito de quarenta e oito mil francos, quando lhe fossem entregues, e para o outro, seu crédito anual de cinqüenta mil libras, haviam sido amistosos e afáveis com o banqueiro, de cujos criados, se não se contivessem, teriam apertado a mão, tamanha era a expansividade que sua gratidão exigia.

          Uma coisa em especial aumentou a consideração, diríamos quase a veneração, de Danglars por Cavalcanti. Este, fiel ao princípio de Horácio: Nil admirari ¹, contentara-se, como vimos, em dar provas de ciência, apontando o lago de que se tiravam as melhores lampreias. Em seguida, comeu seu quinhão sem dizer uma palavra. Danglars concluíra daí que aquele gênero de suntuosidade era corriqueiro para o ilustre descendente dos Cavalcanti, o qual provavelmente se alimentava, em Lucca, com trutas que mandava vir da Suíça e lagostas que lhe enviavam da Bretanha, por meio de procedimentos iguais aos de que o conde se utilizara a fim de encomendar as lampreias do lago Fusaro e os sterlets do rio Volga. Portanto, acolheu com acentuada benevolência estas palavras de Cavalcanti:

          — Amanhã, cavalheiro, terei a honra de lhe fazer uma visita de negócios.

          — E eu, cavalheiro — respondera Danglars —, terei a honra de recebê-lo.

          Foi quando ele sugeriu a Cavalcanti, caso isto não o privasse de ficar separado do filho por muito tempo, que o acompanhasse ao Hotel des Princes. Cavalcanti respondera que há muito tempo seu filho se acostumara a levar uma vida de rapaz solteiro; portanto, possuía cavalos e coche próprios e, não tendo vindo juntos, não via problema em voltarem separados.

O Conde de Monte Cristo - Alexandre Dumas (Clássicos Zahar)Where stories live. Discover now