12. O Júri

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          O Caso Benedetto, como ficou conhecido no tribunal e na sociedade, causara enorme sensação. Frequentador do Café de Paris, do bulevar de Gand e do Bois de Boulogne, o falso Cavalcanti, enquanto permanecera em Paris e durante os seus dois ou três meses de esplendor, fizera inúmeros conhecidos. Os jornais haviam discorrido sobre as diversas etapas experimentadas pelo detento em sua vida elegante e em sua vida prisional, produzindo uma curiosidade intensa, sobretudo naqueles que haviam conhecido pessoalmente o príncipe Andrea Cavalcanti. Eram também estes os mais decididos a arriscar tudo para ver no banco dos réus o sr. Benedetto, assassino do seu companheiro de grilhão.

          Para muita gente, Benedetto era, se não uma vítima, pelo menos um erro judiciário. O sr. Cavalcanti pai fora visto em Paris e era esperado para defender seu ilustre rebento. Boa parte das pessoas que nunca tinham ouvido falar da famosa polonesa com a qual ele desembarcara na casa do conde de Monte Cristo ficara impressionada com o ar digno, a fidalguia e a ciência mundana demonstrados pelo velho patrício, o qual, convém dizer, parecia um autêntico aristocrata sempre que não abria a boca e não se metia com a aritmética.

          Quanto ao próprio réu, muita gente se lembrava de ter vê-lo tão amável, tão belo, tão pródigo, que preferiam acreditar em alguma maquinação executada por um inimigo, como é comum no mundo em que as grandes fortunas ampliam os meios para se praticar mal e o bem à altura do maravilhoso e, o poder, à altura do inaudito.

          Todos acorreram portanto ao julgamento, uns para desfrutar do espetáculo, outros para comentá-lo. Desde as sete da manhã havia fila no portão de ferro, e uma hora antes da abertura da sessão a sala já estava tomada pelos privilegiados.

          Antes da entrada do júri, e às vezes até mesmo depois, uma sala de audiência, nos dias de processos importantes, assemelha-se bastante a um salão em que muitas pessoas se reconhecem, cumprimentam-se, quando estão bastante próximas umas das outras para não perderem seus lugares, e trocam acenos, quando separadas por um grande número de populares, advogados e policiais.

          Fazia um desses magníficos dias de outono, que às vezes nos compensam por um verão omisso ou curto. As nuvens que o sr. de Villefort vira riscarem o sol pela manhã haviam se dissipado como por magia, deixando brilhar em toda a sua nitidez um dos últimos, um dos mais amenos dias de setembro.

          Beauchamp, cabeça coroada do jornalismo, e, por conseguinte, com trono reservado em tudo que é lugar, apontava seu binóculo à esquerda e à direita. Avistou Château-Renaud e Debray , que acabavam de conquistar as boas graças de um guarda, fazendo-o postar-se atrás deles em vez de obstruí-los como era seu direito. O digno agente farejara o milionário e o secretário do ministro cumulando de gentilezas seus nobres vizinhos e permitindo-lhes inclusive irem fazer uma visita a Beauchamp, enquanto prometia vigiar seus lugares.

          — E então! — disse Beauchamp. — Viemos ver o nosso amigo?

          — Claro, meu Deus! — respondeu Debray. — Digníssimo príncipe! Que o diabo carregue os príncipes italianos!

          — Um homem que teve Dante como genealogista, cuja linhagem remontava à Divina comédia!

          — Nobreza de forca — disse Château-Renaud fleugmaticamente.

          — A condenação é certa, não acha? — perguntou Debray a Beauchamp.

          — Ora, meu caro — respondeu o jornalista —, parece-me que é a você que devemos perguntar isto. Afinal, conhece a atmosfera do gabinete melhor que nós. Esteve com o presidente no último sarau do seu ministro?

O Conde de Monte Cristo - Alexandre Dumas (Clássicos Zahar)Onde histórias criam vida. Descubra agora