15. A Partida

238 22 0
                                    

           Os acontecimentos recentes preocupavam Paris inteira. Emmanuel e a mulher comentavam-nos, com uma surpresa toda espontânea, em sua sala da rua Meslay , fazendo aproximações entre as três catástrofes, tão súbitas quanto inesperadas, de Morcerf, Danglars e Villefort.

          Maximilien, que viera fazer-lhes uma visita, escutava-os, ou melhor, assistia àquela conversa, mergulhado em sua indiferença costumeira.

          — Na verdade — dizia Julie —, não lhe parece, Emmanuel, que todas essas pessoas ricas, ontem tão felizes, esqueceram-se, no cálculo a partir do qual construíram fortuna, felicidade e prestígio, do papel do gênio mau, e que este, como as cruéis fadas dos contos de Perrault ¹, não convidadas para uma boda ou um batismo, apareceu de repente para vingar-se do esquecimento fatal?

          — Quantas tragédias! — dizia Emmanuel, pensando em Morcerf e Danglars.

          — Quanto sofrimento! — dizia Julie, lembrando-se de Valentine, que por instinto feminino ela não queria designar pelo nome perante o irmão.

          — Se foi Deus que os golpeou — dizia Emmanuel —, foi porque Deus, a suprema bondade, não descobriu nada no passado dessas pessoas digno de atenuar-lhes a pena. É porque essas pessoas eram malditas.

          — Não está sendo demasiadamente temerário em seu julgamento, Emmanuel? — contemporizou Julie. — Quando meu pai, com a pistola na mão, estava prestes a estourar os miolos, se alguém como você lhe houvesse dito naquela hora: "Esse homem mereceu sua pena", esse alguém não se teria enganado?

          — Sim, mas Deus não permitiu que nosso pai sucumbisse, assim como não permitiu que Abraão sacrificasse seu filho ². Ao patriarca, como a nós, ele enviou um anjo que ceifou as asas da morte no meio do caminho.

          Mal terminava de pronunciar estas palavras, a sineta tocou. Era o sinal dado pelo porteiro de que uma visita chegava.

          Quase no mesmo instante a porta da sala se abriu e o conde de Monte Cristo apareceu na soleira.

          Foi um duplo grito de alegria por parte dos dois jovens. Maximilien levantou a cabeça e deixou-a cair novamente.

          — Maximilien — disse o conde, sem parecer notar as diferentes impressões que sua presença produzia nos hóspedes —, venho buscá-lo.

          — Buscar-me? — disse Morrel, como que saindo de um sonho.

          — Sim — respondeu Monte Cristo —, não estava combinado que eu o levaria, e não o avisei para ficar preparado?

          — Aqui estou — disse Maximilien —, para me despedir.

          — E aonde vai, sr. conde? — perguntou Julie.

          — À Marselha primeiro, senhora.

          — Marselha? — repetiram em uníssono os dois jovens.

          — Sim, e levo seu irmão.

          — Ai de mim, sr. conde! Traga-o de volta curado! Morrel esquivou-se para esconder seu rubor.

          — Então perceberam que ele está doente? — perguntou o conde.

          — Sim — respondeu a moça —, e receio que se entedie conosco.

          — Irei entretê-lo — respondeu o conde.

          — Estou pronto, cavalheiro — disse Maximilien. — Adeus, meus bons amigos. Adeus, Emmanuel, adeus, Julie!

O Conde de Monte Cristo - Alexandre Dumas (Clássicos Zahar)Where stories live. Discover now