Confissão inesperada

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Nova vila... Agora eu estava ainda mais curiosa. Quando entramos, os olhos das pessoas que estavam próximas ao portão se viraram para mim. Me aproximei do braço de Marcos e continuei andando um pouco encolhida.

— Eles não irão te machucar Amélia. — Ele parou e me encarou preocupado. — Se quiser voltar, eu te levo para casa. Esse aqui é o começo, vai ver coisas piores à frente.

Neguei rapidamente, eu estava impressionada era verdade, mas Marcos não poderia entender o que passava pela minha cabeça se eu não tentasse explicar a ele. Limpei a garganta e me afastei um pouquinho.

— Quando eu vivia na Vila do senhor Odair, eu cuidava das crianças e dos doentes. Cheguei a viajar de uma vila a outra para ajudar os que precisavam e eu sempre gostei muito do que fazia. Então quando eu disse ao meu pai que viria para o reino humano deixei claro que também viria unicamente para ajudar os menos favorecidos, porém achei que essas pessoas estavam na vila da Procriação, por isso foi lá o primeiro lugar que pensei em ajudar, mas se tem pessoas em estado pior, eu quero saber.

— E o que fará por eles? Você é uma...

O olhei mordaz já prevendo o que ele ia dizer, já tinha ouvido isso na rua de homens estranhos, até mesmo no Mercado colorido quando fui passear e tentei regatear preços. — Mulher? Por favor, não seja como os outros.

Ele balançou a cabeça me olhando como se eu fosse tola, o que já estava se tornando costumeiro, olhares assim para mim era quase um cumprimento diário.

— Pessoa... Eu ia dizer que você é uma só, não pode ajudá-los sozinha. E não me julgue baseado nos costumes dos homens do reino humano, assim como disse que ajo como um escravo, você achou que eu ia dizer que você é uma mulher, então está agindo com inferioridade ficando na defensiva, e mesmo que eu fosse dizer que você é só uma mulher e por isso não poderia ajudar esse povo, eu não estaria de todo errado, certo?

Apertei os lábios para esconder que estava chateada porque ele estava repleto de razão. Com um meio sorriso ao ver minha cara de aluna mal criada ele continuou.

— Se agir assim não conseguirá ajudar ninguém, não esqueça que você veio do mundo sombrio, mas todos aqui cresceram pelas leis do reino Humanis, então não ajudará nada você impor os seus costumes. Tudo leva tempo, até mesmo o tratamento e o respeito que espera.

Assenti derrotada, ele tinha razão. — Me desculpe. A pior coisa para mim aqui é a maneira como tratam as mulheres. Mas você tem razão, por fim acho que devo desculpas a meu pai também.

Ele assentiu. — Acho que deve.

Seguimos em silêncio depois disso, pude então olhar com atenção aquele lugar.

A floresta tão densa era perto, o lugar na verdade mais parecia uma clareira de chão muito batido e cercado por imensas muralhas. Algumas árvores próximas tinham sido cortadas e vários troncos estavam empilhados, me pareceu um plano futuro de alguma construção. Algumas partes perto das árvores que dominavam quase toda a visão a frente, também haviam sido limpas recentemente, e algumas ferramentas velhas jaziam largadas naquele lugar cheio de terra revirada.

— Pensam em construir algo? — Apontei com o queixo e Marcos seguiu meu olhar, por fim balançou a cabeça.

— É um plano, mas está sendo um trabalho demorado, o pouco dinheiro que conseguimos é necessário reverter em comida, então não sobra para comprarmos ferramentas.

Estamos revezando entre um machado e uma enxada que conseguimos em troca de alguns trabalhos. Também fizemos algumas ferramentas com coisas encontradas no lixo, mas não é tão eficaz e o progresso é lento. E não podemos contar com doações já que todos que vem pra cá, trazem sempre a mesma coisa, apenas as roupas do corpo e a barriga vazia.

Tratado dos Párias- O rei rebelde. ( Degustação)Where stories live. Discover now