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A tarde de sexta-feira após a escola é cruel. Quero cometer um assassinato de umas mil maneiras diferentes, e é o meu armário a vítima. Não tenho a menor ideia do que vestir — e eu não sou absolutamente o tipo de cara o-que-vou-usar, então é como se eu sequer compreendesse a tarefa diante de mim. Cada maldita peça de roupa que tenho parece ter escolhido este exato momento pra revelar seus defeitos. Visto essa camisa que sempre pensei que ficasse bem em mim, e de fato ela faz meu peito parecer ter alguma definição. Mas então percebo que está tão pequena que, se eu levantar os braços um centímetro sequer, os pelos púbicos na minha barriga ficarão totalmente expostos.

Então experimento essa camisa preta que faz parecer que estou me esforçando muito para impressionar, e então essa camisa branca que está legal até eu encontrar uma mancha perto da bainha, que espero que seja suco de laranja, mas que é provavelmente de quando eu enfiei a camisa na calça sem balançar antes. Camisetas de bandas são óbvias demais — se eu usar a camisa de uma das bandas favoritas dele, vou parecer puxa-saco, e se usar a de uma que ele não gosta, ele vai pensar que tenho mau gosto. Minha camisa cinza de capuz está blergh demais, e essa camisa azul é praticamente da mesma cor do jeans, e usar azul da cabeça aos pés é algo que somente o come-come da vila sésamo pode fazer.

Pela primeira vez na vida percebo uma outra utilidade para os cabides, quando, depois de 15 minutos experimentando coisas e jogando-as de lado, tudo que tenho vontade de fazer é pendurar um deles no alto da porta do armário, pôr meu pescoço no buraco e deixar meu peso cair. Minha mãe vai chegar e pensar que se trata de uma prática de asfixia autoerótica em que nem mesmo tive tempo de pôr o pau pra fora, e não vou estar vivo pra dizer a ela que acho que a asfixia autoerótica é uma das coisas mais idiotas em todo o universo, lá no topo da lista, ao lado de republicanos gays. Mas, sim, estarei morto. E vai ser como um episódio de csi, e os investigadores virão e passarão 43 minutos mais comerciais vasculhando minha vida e no fim vão levar minha mãe até a delegacia e fazê-la sentar-se e lhe dizer a verdade.

— Senhora, seu filho não foi assassinado. Ele só estava se arrumando pra um primeiro encontro. — Esse é o policial dizendo.

Estou meio que sorrindo, imaginando como a cena seria filmada, e então me lembro de que estou sem camisa no meio do quarto, e que tenho um trem pra pegar. Finalmente escolho essa camisa que tem uma figurinha de um robô feito com silver tape ou coisa parecida, com as palavras garoto robô em letras pequenas e minúsculas embaixo dela. Não sei por que gosto dessa blusa, mas gosto. E não sei por que acho que Tae vai gostar, mas acho.

Sei que devo estar nervoso, porque na verdade estou pensando como está meu cabelo, mas quando olho no espelho do banheiro, decido que ele vai ficar do jeito que quiser, e, como em geral ele fica melhor quando está ventando, vou simplesmente pôr a cabeça pra fora da janela do trem durante o percurso ou algo do gênero. Eu poderia usar os produtos de cabelo da minha mãe, mas não tenho a menor vontade de cheirar como borboletas no campo. Então, por fim, estou pronto.

Disse à mamãe que a competição de matemática é em Seoul — achei que, se era pra mentir, então ela poderia pensar que chegamos às finais estaduais. Disse a ela que a escola havia fretado um ônibus, mas em vez disso sigo para a estação de trem, sem problemas.

Meus nervos estão completamente em frangalhos a essa altura. Tento ler O Sol É Para Todos para a aula de inglês, mas é como se as letras fossem um belo desenho na página e não significassem mais para mim do que os padrões nos assentos do trem. Poderia ser um filme de ação chamado corra que o sol vai derreter! E ainda assim eu não estaria prestando atenção. Assim, fechei os olhos e fiquei ouvindo meu ipod, mas é como se ele tivesse sido programado por um cupido cruel, porque todas as músicas me fazem pensar em Taehyung. Ele se tornou a pessoa de quem as canções falam. E embora parte de mim saiba que ele provavelmente vale a pena, outra parte está gritando pra mim: mais devagar com essa porra. Embora vá ser emocionante ver Tae, também vai ser constrangedor. O importante será não deixar esse constrangimento tomar conta da gente.

Levo cerca de cinco minutos pra pensar em meu histórico de encontros — cinco minutos é, de fato, todo o tempo que posso preencher — e sou levado de volta à traumática experiência de, bêbado, me pegar com Lissa Nye na festa de JinHo alguns meses atrás. A parte dos beijos, na verdade, foi excitante, mas, quando ficou mais sério, o rosto dela exibindo aquela expressão estupidamente ardente, eu quase caí na gargalhada. Tivemos alguns problemas sérios com o sutiã cortando a circulação do sangue para o cérebro, e quando eu finalmente tive os peitos dela nas minhas mãos (não que eu tivesse pedido isso), eu não sabia o que fazer com eles, exceto acariciá-los, como se fossem cachorrinhos. Os cachorrinhos gostaram, e Lissa resolveu me dar uma esfregada ou duas também, e eu gostei, porque quando se trata disso, mãos são mãos, e toque é toque, e seu corpo reage da maneira que seu corpo reage. Ele não dá a mínima para a conversa que se vai ter depois — não só com Lissa, que queria ser minha namorada e de quem tentei me desvencilhar suavemente, mas acabei magoando de qualquer maneira. Não, também precisei lidar com Sooyeong, porque no momento em que ela soube o que aconteceu (não pela minha boca), ficou puta (exclusivamente comigo). Disse que achava que Lissa estava me usando, e agia como se pensasse que eu estava usando Lissa, quando na verdade o negócio todo foi qualquer coisa, e independentemente de quantas vezes eu dissesse isso a Sooyeong , ela se recusava a me deixar em paz. Durante semanas precisei aturar ela gritando “bem, por que você não liga pra Lissa, então?” todas as vezes que discordávamos. Só por isso, a pegação já não valeu a pena.

Taehyung, é claro, é completamente diferente. Não só no aspecto do amasso. Embora ele certamente exista. Não estou indo pra capital só pra me pegar com ele. Essa pode não ser a última coisa em minha mente, mas também não é nem de perto a primeira.

Pensei que fosse chegar cedo, mas naturalmente, quando me aproximo do local aonde vamos nos encontrar, estou mais atrasado que a menstruação de uma grávida. Caminho com as garotas e os garotos turistas a poucos minutos da hora de ir pra casa, e todos eles parecem que acabaram de sair de um treino de basquete ou de assistir a um jogo de basquete na TV. Definitivamente dou uma olhada em alguns espécimes, mas é puramente pesquisa científica. Pelos próximos, hã, dez minutos, posso me guardar pra Taehyung.

Me pergunto se ele já está lá. Se está tão nervoso quanto eu. Se passou tanto tempo quanto eu escolhendo uma camisa. Se por alguma aberração da natureza estaremos usando a mesma coisa. Como se estivéssemos assim tão predestinados que deus decidisse tornar isso totalmente óbvio.

Mãos suadas. Confere. Ossos trêmulos. Confere. A sensação de que todo o oxigênio do ar foi substituído por gás hélio. Sim. Olho o mapa 15 vezes por segundo. Faltam cinco quadras. Faltam quatro quadras. Faltam três quadras. Faltam duas quadras. A esquina. À procura da frenchy’s. Pensando que vai ser uma lanchonete fashion. Ou um café. Ou uma loja de discos independentes. Ou mesmo um restaurante decadente.

Então chegando lá e descobrindo... É uma sex shop.

Pensando que talvez a sex shop tenha recebido o nome de algum estabelecimento próximo. Talvez esse seja o bairro frenchy’s, e tudo tenha o nome frenchy’s, como quando se vai ao centro da cidade e se encontra a lanchonete do centro e a lavanderia do centro e o instituto de ioga do centro. Mas não. Dou a volta no quarteirão. Tento o outro lado. Verifico o endereço várias vezes.

E lá estou eu. De volta àquela porta.

Lembro que foi o amigo de Taehyung que sugeriu o lugar. Ou pelo menos foi o que ele disse. Se isso é verdade, talvez seja uma piada e o pobre Taehyung chegou aqui primeiro e está à minha espera lá dentro, mortificado. Ou talvez seja algum tipo de teste cósmico. Tenho de atravessar o rio de extremo constrangimento a fim de alcançar o paraíso do outro lado.

Que se foda, concluo.

Com o vento frio soprando à minha volta, eu entro.

***

Boa noite, galera.
Como vocês estão?

don't hug me ♠ yoonseokOnde histórias criam vida. Descubra agora