Humanidade Perdida

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Em um quarto de grandes dimensões e iluminado apenas por um castiçal de velas, Adam encarou o espelho ao provar um terno.

— Tem certeza de que essas são roupas apropriadas para um cavalheiro inglês? — questionou o homem de longos cabelos na altura da cintura, e olhos que refletiam o tremeluzir das chamas.

— É um legítimo Armani, senhor Turner. Um terno de primeira, para um homem de primeira — respondeu Teresa, uma mulher de cabelos crespos em um penteado volumoso, roupas elegantes e sorriso fácil.

Adam sorriu satisfeito, sentindo–se à vontade com as novas roupas. Já fazia uma semana desde que voltou do túmulo, noites de descobertas e aprendizado constantes. Luz elétrica, televisão, rádio, telefone, internet... tudo era uma grande novidade para ele. Confusa, misteriosa e fascinante. O conhecimento humano deu um salto inimaginável nesses últimos séculos, e não seria nada fácil se adaptar a era da tecnologia.

— O homem foi capaz de vencer grandes barreiras através da inteligência, Teresa, então acredite quando digo: em breve, nem você me distinguirá de um homem do século XXI!

— Claro que sim, senhor Turner — respondeu ela, em tom de sarcasmo. — Não dou mais de um mês para isso.

Para o vampiro, ter Teresa Mendes à sua disposição pareceu uma forma dos céus compensarem um pouco do mal que lhe afligiram. Afinal, de que outra forma ele encontraria alguém confiável para lhe apresentar a esse mundo novo, sem ser tomado por louco?

O encontro entre os dois se deu na manhã seguinte ao despertar do vampiro, quando a mulher fazia a limpeza pós–festa. Recolhendo garrafas de cerveja vazias ou quebradas, a figura de pele negra e olhos castanhos seguiu o rastro de sangue que a levou até o cômodo acima das escadas, dando de frente com um indivíduo com roupas de época, longa cabeleira e pele pálida, deitado na cama de um quarto arrombado. Teresa quase teve um ataque cardíaco!

— Não creio. Aconteceu mesmo... de verdade. É real... você é real! — disse ela, levando as mãos à cabeça, com o sorriso de uma louca na face. Então se ergueu, tocando o rosto do vampiro, lágrimas molhando seu rosto. — O dono da casa finalmente acordou. Valeu mesmo a pena esperar por meus quarenta e sete anos, invés de me jogar da torre nas noites difíceis.

Quando Adam despertou, horas depois, encontrou a mulher diante dele. Após um banho e limpeza minuciosos, cabelos tratados e vestindo seu melhor conjunto social — o menos gasto —, e em postura de reverência.

— Sou Teresa Mendes, a sétima a suceder Willian Connor como guardiã da sua casa. Cada um de nós fez o melhor que pôde para guardar seu túmulo até que o senhor acordasse — disse com emoção genuína na voz, diante de um Adam aparentemente surpreso. — Me sinto feliz como uma menininha por testemunhar seu retorno.

Ela estava nervosa, e se esforçava sem muito sucesso a disfarçar isso. Era mulher, era negra e ainda estrangeira. Como um homem de três séculos atrás aceitaria isso, perguntou-se, antes de prosseguir:

— É quase inacreditável ver o senhor diante de mim. O homem a quem eu jurei servir ainda na infância. Aquele sobre quem eu não podia falar a mais ninguém. Aquele que em muitos momentos até duvidei se existia mesmo, ou se tudo não passava das fantasias de um maluco me doutrinando na sua loucura.

— Prazer, Teresa, é bom estar de volta. — Ajudando a mulher a se erguer. — Então Willian, meu leal amigo, foi o responsável por isso? Cuidar do meu túmulo e posses? Treinar pessoas para fazerem isso após sua partida?

— Sim, segundo o que me ensinaram, ele foi o único dos seus homens que sobreviveu ao ataque, e tomou como missão pessoal cuidar de tudo até que o senhor voltasse. Como isso demorava, ele teve que arrumar outra pessoa para tomar o fardo após sua morte. Essa tradição foi seguida pelo seu sucessor, e isso até mim, a mais sortuda de todos!

Filhos da NoiteTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang