Minha razão para lutar

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A garota o encarou em silêncio. Ela sempre foi corajosa, mas despertar nua e algemada dentro de uma igreja sinistra, cercada por cadáveres de gente e morcegos, e ainda com um mascarado de preto olhando para si, não era algo para o qual estivesse preparada.

Com os braços tapando o que podia ela se levantou. Os braceletes de prata unidos por correntes dificultavam cada passo, isso fora sua função principal: impedir que ela se transformasse. O contato direto da prata sobre seus pulsos, tornozelos e pescoço, deixavam-na sentindo-se totalmente indefesa... isso fora a dor. Prata queimava, incomodava e enfraquecia.

Mandy se segurou numa grossa cortina de cor vinho, que depois puxou com toda força. Um pedaço do tecido se partiu, pedaço esse que serviu para tapar seu corpo. Olhando melhor para os cadáveres, pôde identificar entre eles o de um velho usando batina. Imagens do tal indivíduo surgiam em sua mente, o som da voz... mas era tudo confuso como um sonho semiesquecido. Mas uma coisa era certa: ele era o chefe dos vampiros, e agora parecia morto. Definitivamente mais morto do que um vampiro já era normalmente.

Mandy Duncan, você virá comigo. Vou levá-la até seu irmão — afirmou o mascarado.

Seu traje preto, com colete e outras partes reforçadas sobre joelhos, coxas, ombros e braços, parecia muito avariado. Cortes por todo lado, assim como manchas de sangue.

— Você não cheira como eles — som dela fungando, já mais confiante. — Também não é como eu, ou não ia usar um treco desses. Você é o Golem, acertei?

O mascarado pegou uma segunda lâmina, caída alguns metros distante dos restos do vampiro explodido.

— Até que não é burra... para uma cachorra — concluiu.

A vontade da garota foi saltar sobre ele e fazer pior do que ele fez com o velho, mas sabia que não estava em condição de nada daquilo. E após engolir um pouco da raiva, pediu:

— Abre essas algemas, e eu deixo de ser um fardo. — Estendendo os pulsos. — Eu posso ser útil, cara, é só conseguir mudar de forma.

Ele pareceu ignorá-la, abrindo uma garrafa e derramando o líquido sobre o que sobrou do vampiro. Mandy se aproximou mais, balançando a corrente de modo irritante e repetitivo, até obter uma resposta:

— Prefiro assim. Cães devem ficar na coleira.

E após dizer aquilo, desceu a lâmina repetidamente sobre o pescoço do cadáver, segurando a cabeça com a outra mão. Ela recuou por instinto. Embora uma licantropo, a garota não estava acostumada aquele tipo de brutalidade. Jimmy cuidava muito bem dela, de modo que nunca tivesse que se sujar com sangue que não fosse de algum animal da floresta.

— Puxa, bacana você bancar o Batman sanguinário e gastar tempo pegando seu troféu invés de me soltar. Só queria te lembrar que você explodiu uma BOMBA dentro de uma igreja. Se não matou todos os vampiros, eles chegam rapidinho. — Mandy parou a um palmo dele, estendendo novamente os pulsos. — Me soltar é nossa única chance de sair daqui inteiros.

A resposta dele foi na forma de uma chave de metal lançada para o alto. A garota saltou para pegar, e depois se esforçou para não deixá-la cair, quente como estava. Por sorte a explosão não chegou a derreter o objeto, apenas escurecendo e deformando o cabo. Usando os dentes pra prendê-la, a garota conseguiu com certo esforço soltar o metal dos pulsos. Enquanto se sentava para alcançar as correntes nos tornozelos, sentiu um cheiro que não gostaria.

— Opa, opa. Sujou cara, melhor a gente correr agora, a não ser que você queira conversar com a torcida organizada da Transilvânia.

O tal Golem pareceu ter recuperado todas as armas caídas pelo caminho, e agora segurava um isqueiro em uma mão e a cabeça do vampiro padre na outra. Cabeça empapada em líquido inflamável.

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