Em nome do pai - Parte I

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Cidade de Tirgoviste, Valáquia, 1478.

Fazia muito tempo que seus pés não tocavam aquelas terras. Quinze anos, para ser exato. Embora a Valáquia fosse composta em sua grande maioria por camponeses trabalhando para donos de terras, a capital era uma coisa a parte, exibindo uma infinidade de mercados e lojas que fervilhavam durante todo o dia. E o centro da cidade, local por onde ele passava, era onde os ricos donos das terras se estabeleciam.

Um sorriso bobo invadia sua face toda vez que reconhecia algum rosto entre os vendedores, apesar da passagem do tempo. Não que eles o reconhecessem de volta. E como poderiam? Quando partiu, Adam não tinha mais que nove anos, e agora era um homem feito. Ele mordeu uma fruta madura ao olhar para as crianças correndo na praça, brincando com espadas de madeira improvisadas. Lembranças vinham aos montes, imagens da própria infância, cavalgando um pônei árabe sem sela e com sua espada na mão, cortando árvores que faziam o papel de inimigos muçulmanos. Sua família tinha sangue guerreiro, e se esperava que seus meninos aprendessem a lutar antes mesmo de ler.

Ao vislumbrar o mosteiro ao longe, lembrou-se da rotina ao lado dos monges e sua educação religiosa. A fé de sua mãe e a força que a igreja exerceu em suas vidas. A fé católica fez parte de sua formação, que junto ao ensino marcial, ocupava as horas em que não estudava matemática, filosofia, ciências, geografia, linguagem ou artes clássicas. Um nobre deveria aprender muitas coisas, o herdeiro de um príncipe, muito mais.

Já era noite quando Adam finalmente chegou diante de seu destino, um imenso castelo que se impunha sobre aquela terra. Uma fortaleza erguida à base de sangue, e gradualmente ampliada via trabalho forçado. Ornamentada agora pelas centenas de hastes de madeira que circundavam as muralhas, com corpos humanos empalados nelas. Homens, mulheres, idosos, crianças... Mais de duzentas vítimas cobriam a área, e nenhuma delas parecia ter mais que uma semana ali. Dessas, talvez um terço não tivesse mais que um dia, devido à vontade com que os corvos se alimentavam de seus corpos ainda frescos. Também chamava a atenção o número igual de hastes vazias. Como um aviso. Como uma ameaça.

Foi este o cenário que Adam encontrou ao se aproximar do castelo de Vlad III, O Drácula. Suor escorreu pelo seu rosto ao contemplar aqueles muros, sua respiração ficando ofegante. Com a carruagem parada diante do portão do castelo, respirou fundo antes de descer e se apresentar, não como o filho do príncipe, mas apenas como "Sir Adam". E após um longo tempo de espera, e escoltado por dois soldados, entrou no local em que por direito deveria viver, o castelo de seu pai.

Adam vestia uma casaca preta sobre roupas de tonalidade verde, com botas grossas e espada na cintura. Olhou com admiração mal disfarçada o enorme castelo em que viveu, as colunas altas e cuidadosamente esculpidas, os largos corredores por onde poderia passar um grupo de homens lado a lado, os quadros e estátuas fazendo referência aos seus antepassados.

Imagens de Vlad II, Dracul, o guerreiro que tudo perdera. Primeiro seus filhos pequenos, enviados como reféns para servir ao inimigo: o temível Sultão Otomano. Depois, o reino, devido à traição do famoso "Cavaleiro Branco", João Corvino, que após fracassar em vencer o Sultão, decidiu se virar contra o próprio aliado e tomar a Valáquia. O filho mais velho, cegado e enterrado vivo. A esposa, morta diante de si, e por fim a própria vida. Seu avô era um símbolo do quão longe um homem podia chegar, e ao mesmo tempo, do quão baixo poderia cair.

Ainda mais triste seria para o velho dragão, se tivesse tido tempo de assistir seus dois filhos menores, uma vez adultos, lutando um contra o outro, já como Vlad Drácula e Radu, o Belo. Luta essa que culminou no momento mais triste da vida de Adam, o dia em que... Não, não era hora de pensar naquilo, repetiu ele para si mesmo, lutando para afastar aquelas lembranças. Afinal, nem tudo era tristeza ali.

Filhos da Noiteحيث تعيش القصص. اكتشف الآن