Luzes da cidade

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Notas : Fiquei muito feliz por estarem acompanhando a estória, obrigada pela companhia. 

(Foto do Michael Skok, @mjskok)

Após ter deixado Sofi na casa da mãe, colocando em bom uso os pontos que ganhava mensalmente em seu Oyster Card, Camila seguia seu dia pensando nas promessas de novas saídas que havia pactuado com a irmã e na divisão de tarefas que combinara com Sinu sobre a preparação de Sofi para o teatro da escola.

Erguendo os fios embolados de fones de ouvido de sua bolsa, a restauradora os encaixa, ligando a música pelo seu celular. No meio dessa atividade pisou em três poças de água, mas não se deu conta de nenhuma dessas ameaças à suas botas de chuva.

O namorado de Ally havia recomendado algumas músicas brasileiras no último jantar entre amigos que ela havia comparecido. Seria uma boa hora para testar a sorte. Uma canção em especial se destacou pela adequação ao início de noite londrino. Embora ela não compreendesse português cantado muito bem, conhecia algumas palavras da língua.

Luzes da cidade – Marcelo Camelo

Luzes da cidade, coração solar...

Coração solar...

Coração ela sabia o que era, vocabulário básico.

Solar. Deve ser de sol.

Coração solar...

Que metáfora curiosa...

Outro dia havia lido um poema fabuloso da Nikita Gill sobre almas em labaredas de fogo e corpos feitos de poeira estelar.

Deveria mandar imprimir em uma gráfica e dar de presente para Sofi colocar em seu quarto... Seria bom a menina ser lembrada diariamente sobre sua composição celestial.

Cada um tinha a sua pequena para proteger, não era mesmo?

Chegando na estação de metrô, Camila pôde fechar os olhos ao se sentar, tentando resguardar um pouco de serenidade em meio à lotação absurda da cabine aquele horário. Não chamavam o metrô londrino de tubo por qualquer coisa...

Sem se deixar abalar, a jovem se lembra de um documentário que havia assistido no final de semana, sobre uma mãe ursa e a criação de dois filhotes em seu primeiro ano de vida. Procuravam salmões.

O tubo londrino não era de todo diferente daquele rio do Alasca que comportava em sua margem centenas de salmões subindo transloucadamente em sua jornada.

Bem, já estava decidido o que iria jantar. Fortunadamente não precisaria se defender de dois machos agressivos e um lobo para isso.

Lobo...

Sofi devia estar passando dificuldades na escola, essa fase das crianças é um tanto complicada. E ela era tão dócil, tão graciosa na sua bondade.

Camila iria ter que ajudá-la de alguma forma...

Se Ally estivesse casada e com filhos tudo seria tão mais fácil. Poderia apresentá-los e iniciariam uma amizade quase harrypotteriana... hmm.

Essa música brasileira era realmente boa...

Devia arranjar um tempo para continuar aprendendo a língua. Não sabia a pronúncia de absolutamente nada.

Bem.

"Nunca te pedi nada"

Isso ela sabia dizer. Sofia havia ensinado, parece que era a última moda linguística brasileira.

A jovem começa a rir sozinha ao se imaginar falando com o diretor geral da National Gallery amanhã, o avisando do término da restauração e pedindo que a obra fosse devidamente acautelada em um vidro de proteção externa.

Modulação PolicromáticaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora