Ensolarado

102 15 8
                                    

Nada acontecia porque era um dia chuvoso. Ninguém entraria pela porta do escritório, e eu me sentia confortável pra colocar o meu jazz no meu toca-discos em forma de maleta.

Coloquei os pés sobre a mesa, tirei o meu #Bukowski da gaveta, já surrado de tantas leituras e acendi um cigarro.

Eu gosto de dias chuvosos. Eu sempre tive esse fetiche estranho: o estranho prazer de sentir-me aconchegado sabendo que lá fora o mundo está desconfortável.

A cafeteira gorgolejava cuspindo água quente sobre o pó de café de uma marca local. Eu aprendi isso com um colega: marcas estrangeiras ou muito sofisticadas de café nunca são boas o suficiente. Exceto, é claro, aqueles que têm o preço pelo qual não podemos pagar. Mas as marcas de café locais, ah, elas sim têm um gosto bom.

Não falo daquelas marcas baratas que misturam gravetos e folhas fazendo com que o pó fique com gosto de carvão, mas falo daquelas decentes. Aquelas que têm propaganda numa rádio conceituada da cidade. É esse o pó que você precisa procurar por que ele é fresco e muitas vezes feito com carinho.

A chuva martelava a janela no ritmo da bateria da banda de Jazz que tocava. Era um dia perfeito, bom para relaxar e corrigir mentalmente os erros do passado, sustentando a ilusão de que eventos parecidos não ocorreriam no futuro.

Aproveitava para registrar algumas histórias. Mas não tenho muita disciplina em fazer isso, pois sempre sou interrompido com o abrir da porta do escritório, que vem com trabalhos e consequentemente com problemas.

Mas não hoje.

Hoje não há problemas e a porta descansa fechada, assim como eu.

E nada acontece.

Café & Cigarros (amostra)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora