Fetiche

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Eu já estava de saco cheio porque nada acontecia. O barulho do ar condicionado velho me lembrava o urro de um berrante mecânico que parecia mergulhar no meu inconsciente.

Desligar o aparelho não era opção, pois o calor que fazia parecia me lembrar do local onde eu iria após a minha morte.

Malditos prédios antigos.

Por algum motivo estético antiquado, os buracos destinados aos aparelhos de ar condicionado ficavam exatamente abaixo da janela, que não era muito alta. Talvez os arquitetos e engenheiros não levassem em conta o princípio básico de que o ar frio desce, e o ar quente sobe. Logo, o mais inteligente era colocar o ar condicionado acima da janela.

A porta velha não rangeria tão cedo. Ninguém passaria por ela. Nem mesmo o Doutor Pilantra que vinha prostituir o meu trabalho. Mas o café que ele trazia vai fazer falta. Nunca mais...

O telefone toca.

Consigo sentir o cheiro de espinhas e chulé do outro lado da linha. Um maldito adolescente quer saber se eu sou capaz de "hackear" contas do Facebook

Desligo na cara dele.

Não estou nesse trabalho para satisfazer o desejo voyeur de um adolescente. Eu achava que estava aqui para satisfazer o desejo voyer dos cornos. Eles são quem pagam mais e nunca deixam de levar as fotos.

Eu sou bom com as fotos. E foi pensando que um corno que me contratou era um Voyeur que eu quase me ferrei:

Posições comprometedoras e quase ginecológicas são minha especialidade. A pessoa que trai no começo toma cuidado: nunca marcam encontros em horários sistemáticos, mudam o local. Mas quando a coisa começa a ficar mais intensa, eles são capazes de fazer até mesmo dentro do carro.

Afinal de contas este é o país da impunidade. Mas apenas para alguns.

Às vezes, merdas acontecem. Um empresário uma vez pediu para que eu avisasse quando tivesse as tais "fotos comprometedoras", e pediu para informar o local. Cobrei o triplo do preço, mas ainda assim foi pouco. Eu pensava que ele era um desses caras que gosta de ver sua mulher ser "satisfeita" por outro homem, e caí na armadilha.

A mulher dele se enroscava libidinosamente com um negão num beco de madrugada. Ele tinha me dito que queria ver com os próprios olhos. Quem sou eu para julgar os fetiches de outra pessoa? Ainda mais quando está pagando bem.

Quando ele descarregou a pistola no ricardão, eu juntei tudo que poderia me colocar na cena do crime e fugi. Nos jornais depois eu li que ele usou a pistola apenas com o amante, porque a mulher ele matou a coronhadas.

Ele só tinha me pago metade do valor, é o adiantamento que peço. Noutro dia um envelope apareceu no escritório com a outra metade do pagamento.

Qualquer pessoa com escrúpulos devolveria a grana, ou sairia com ela. Eu? Paguei as contas do mês e aprendi uma lição.

Mas hoje, nada acontece. Coloco os pés sobre a mesa enquanto acendo uma cigarrilha.

Café & Cigarros (amostra)Where stories live. Discover now