Nunca.

71 8 3
                                    

Veja bem, você que lê isto nunca vai saber o que é estar sob a minha pele. Nunca vai saber o tédio de viver num ciclo eterno de erros que se repetem diariamente.

Num universo tedioso onde nada acontece.

Nunca vai sentir o vinco da cadeira velha do escritório te incomodando, ou o bafo de mofo que sai do ar-condicionado. Ou o gosto do grão de café amargo que parece se desfazer na boca.

Nunca vai saber como é comer fumaça em busca da paz da alma, engolindo fogo tentando apagar a chama da dor.

Você nunca vai sentir o cheiro metálico e ferruginoso de uma arma, sentir o seu peso, seu toque frio. Nunca ira tatear uma bala, colocá-la no tambor com a esperança de nunca usá-la, mas rezar para que a pólvora ainda esteja boa caso seja preciso.

Você nunca vai olhar pro seu celular como uma ferramenta misteriosa e ao mesmo tempo inútil. Nunca vai sentir ele esquentar no seu bolso e travar sem explicação aparente.

Nunca vai encarar a porta esperando que alguém passe por ela, preocupado em garantir a diária do  motel onde vai passar a noite.

Você nunca vai saber o que é comer no mesmo restaurante por quinze anos. Mesmo arriscando a vida, mesmo alternando horários, mesmo não falando com ninguém.

Você nunca vai saber o que é pensar passar despercebido, mas ser conhecido pelos funcionários do lugar, e até mesmo pelo dono do restaurante. Mesmo sem nunca ter ao menos cumprimentado ninguém.

Você nunca sabe o dia da morte. Você nunca sabe se vai encontrar um restaurante com o mesmo tempero.

Dizem que se alguém lhe der um tiro na cabeça você não consegue nem mesmo escutar o som da bala. Você morre antes.

Bang.

Café & Cigarros (amostra)Where stories live. Discover now