Resistência

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Ergui o pendrive diante dele, como um padre ergue a hóstia prestes a depositá-la na boca do fiel. E minha vontade era mesmo enfiar o dispositivo na boca do advogado mequetrefe que me avizinhava naquele maldito prédio cheio de putas e pilantras.

Toda vez que eu negociava com aquele safado eu me sentia como uma criança chinesa explorada numa fábrica de roupas, que produz ouro em troca de centavos. Mas o safado sempre aparecia nos momentos em que eu estava mais sedento por dinheiro. Ele parecia farejar minha necessidade como um urubu fareja a carniça.

E ele trazia café. Um maldito café francês que parecia ser extraído da maldita alma de um deus antigo. Foi assim que ele me colocou naquela enrascada, com uma xícara de café, e disso eu me lembro bem.

Entreguei o pendrive, mas não sem antes reclamar com pitadas de exagero sobre o trabalho que tive para obter aquele material. Eu sabia que ele revendia meu serviço por quase quatro vezes o valor que eu cobrava dele. Mas assim é o capitalismo, não é?

Graças aos boinas verdes isto não é um país de comunistas. E portanto um safado consegue ganhar muito mais do que eu apenas sentando em cadeiras. Deve ter calo nas nádegas aquele maldito.

Eu já prometi várias vezes a mim mesmo que não iria mais trabalhar pra ele. Mas não consigo.

Ele passa pela porta contente, como uma criança que acabou de comprar um doce, mas não sem antes me fazer elogios, dizendo que sou o melhor detetive com que ele já trabalho.

Aliás, isso entrega a idade. Ele é a única pessoa a me chamar de detetive.

A placa na minha porta diz "investigador particular". Até por que a palavra "detetive" me faz ter vontade de fumar, colocar uma meia-luz no escritório e substituir o ar-condicionado por um ventilador que gire em câmera lenta.

Eu sei que podia ter uma vida ainda mais branda do que eu levo. Sei de caras que ganham a vida sem sair do escritório fazendo "investigação virtual", ou seja, passam o dia todo no Facebook olhando fotos dos outros.

... E depois eu é que sou o trambiqueiro.

Ele coloca o envelope gordo sobre a mesa que na verdade é bem mais magro do que deveria ser e depois de me cumprimentar como um velho amigo sai da sala.

Abro a maleta-toca-discos e boto Miles Davis pra tocar. Aliás, aquele disco me lembra uma velha história cheia de conflitos e emoções.

Mas hoje nada acontece, além de eu degustar uma xícara de café feito com um pó local que não lembra nem de longe o café francês do doutor pilantra.

Fora isso, nada acontece.

Café & Cigarros (amostra)Where stories live. Discover now