V - SEGUNDA PARTE

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V

Ao saber que estava justo o casamento da sobrinha, considerou-se o Lemos derrotado em seus planos. Como, porém, era homem que não abandonava facilmente uma boa idéia, cogitou no modo de não perder a partida.

A única idéia que lhe ocorreu foi de expediente banal; mas acontece que são estes precisamente os que surtem melhor efeito quando se trata de assuntos que se resolvem pelas conveniências sociais.

Em sua passagem para a casa de Aurélia, via Seixas à janela, na Rua das Mangueiras, uma menina, apontada entre as elegantes da Corte. Para o nosso jornalista fora inqualificável grosseria, encontrar-se com uma senhora bela e distinta, sem enviar-lhe no olhar e no sorriso a homenagem de sua admiração.

Seixas pertencia a essa classe de homens, criados pela sociedade moderna, e para a qual o amor deixou de ser um sentimento e tornou-se uma fineza obrigada entre os cavalheiros e as damas de bom-tom.

A moça pertencia à mesma escola. Também ela era noiva, como o Seixas; e não obstante recebia com prazer o cortejo galante. Se por acaso os dois se encontrassem em alguma sala, ausentes daqueles com quem estavam prometidos, teceriam sem o menor escrúpulo um inocente idílio para divertir a noite.

Nessa casa da Rua das Mangueiras morava o Tavares do Amaral, empregado da alfândega. Lemos que freqüentava um velho camarada da vizinhança, talvez já na intenção de manter um ponto de observação, notou aquela mútua correspondência de Fernando com Adelaide.

A primeira vez que encontrou ao Amaral na Rua do Ouvidor, o velho insinuou-se em sua intimidade; a título de felicitação encareceu-lhe ao último ponto as vantagens do casamento da filha com Seixas.

- Com jeito, o melro está seguro! concluiu ao despedir-se.

Amaral não via de boa sombra a intimidade de sua filha Adelaide com o Dr. Torquato Ribeiro, que além de pobre, estava desarranjado. A idéia do Lemos sorriu-lhe. Achou modos de introduzir em casa Seixas, para quem este novo conhecimento veio a ser um tônico poderoso.

Desvanecidas as primeiras efusões do puro e íntimo contentamento, que lhe deixou o generoso impulso de pedir a mão de Aurélia, começara Fernando a considerar praticamente a influência que devia exercer em sua vida esse casamento.

Calculou os encargos materiais que ia sujeitar-se para montar casa, e mantê-la com decência. Lembrou-se quanto avulta a despesa com o vestuário duma senhora que freqüenta a sociedade; e reconheceu que suas posses não lhe permitiam por enquanto o casamento com uma moça bonita e elegante, naturalmente inclinada ao luxo, que é a flor dessas borboletas de asas de seda e tule.

Encerrar-se no obscuro, mas doce conchego doméstico; viver das afeições plácidas e íntimas; dedicar-se a formar uma família, onde se revivam e multipliquem as almas que uniu o amor conjugal; essa felicidade suprema não a compreendia Seixas. O casamento, visto por este prisma, aparecia-lhe como um degredo, que inspirava-lhe indefinível terror.

Jamais poderia viver longe da sociedade, retirado desse mundo elegante que era sua pátria, e o berço de sua alma. As naturezas superiores obedecem a uma força recôndita. É a predestinação. Uns a têm para a glória, outros para o dinheiro; a dele era essa, a galanteria.

Algumas vezes, Seixas, receando pela saúde exposta sem repouso à ação de hábitos pouco higiênicos, sob a influência de um clima enervador, ia à fazenda de um amigo em Campos com tenção de passar por lá dois meses, em completa vegetação, acordando-se com o sol e recolhendo-se com ele.

Se era na estação da festa e haviam lá pela roça bailes e partidas, que arremedavam a vida da Corte, demorava-se uns quinze- dias: o tempo de compor com alguma espirituosa fazendeirinha um gentil romance pastoril que terminava com umas estâncias, gênero Lamartine.

Senhora ♥ José de Alencar ♥Where stories live. Discover now