capítulo 2.

30 3 0
                                    

   Meu coração dói, minhas lágrimas ardem ,minhas pernas ficam bambas. É assim que estou,no momento escondida no sótão, cortando minha cocha, não corto meus pulsos pois é um lugar fácil de se ver e eu não quero que ninguém saiba disso.  Já não sinto tanta dor,não sinto nada, apenas tento esquecer o que realmente está me machucando, me enlouquecendo.
   Depois de anos tentando me convencer que estava tudo bem comigo,meu irmão e meu pai voltariam para casa.
   Já se passava das duas da manhã,me levantei do chão com dificuldades e peguei uma toalha para estancar o sangramento, limpei minha bagunça e fui para meu quarto.
   Acordei com minha mãe me puxando alegremente dizendo que meu irmão e meu pai haviam chegado.
   Me arrumei e desci para comprimentar os dois.
   Meu pai sequer olhou para mim, fingia que não havia ninguém a sua frente, mas na verdade ele não sabia como reagir ao me olhar,ainda me via como a menininha que não soube ficar de bouca fechada diante de algo tão sério.
   Com o coração já apertado e repleto de angústia fui falar com Lucas,seu olhar quando se cruzou comigo era indecifrável. Tentei conversar com ele dizendo:
   _Olá irmão.
   _ Oi? Não sei como tem coragem de ainda me chamar de irmão depois de tudo que você me fez._ seu olhar carregava tristeza e desgosto.
   _Me perdoe, eu era apenas uma crian...
   _Não precisa tentar se justificar!_ ele me corta_eu não quero ouvir.
   Lucas estava guardando tanto rancor que, por um momento pensei que iria esplodir. Por mais que estávamos tão perto um sentia que estávamos a quilômetros de distância.
   O clima começou a pesar naquela sala, sentia que eu era a peça fora de lugar nesse quebra-cabeça, não podia mais permanecer naquele local.
   Subi as escadas indo direto para meu quarto,sombras negras me preenchiam por completo, a cada minuto que se passava a dor instalada em meu peito se tornava cada vez maior, até que não deu para segurar toda minha tristeza na garganta e me desmanchei em lágrimas.
   Talvez eu não tenha nascido para ser feliz, e sim para ser triste, um ser desprezível.
   Vou até minha cama e me sento,observando a pequena caixinha rosa de láminas que se encontrava em cima do criado mudo, pego uma e começo a cortar minhas pernas, a dor física encobre a dor sentimental e isso me conforta.
   Olho ao redor do quarto,tão escuro, vazio e triste,assim como meu coração. O meu mundo que antes era cheio de flores e borboletas, hoje é cinza,e repleto de lágrimas, lágrimas que ninguém vê,e vocês devem estar se perguntando:"e por que você não conta para ninguém o que sente?" Mas a resposta é que já me machuquei muito,já sofri muito e não quero que ninguém sofra por minha culpa outra vez,aliás,não consigo confiar nas pessoas,elas são seres cruéis,não por obrigação,mas sim por escolha.
   Deito-me em minha cama
   Acabo por passar o dia inteiro aqui no meu quarto,só escutando a conversa alegre da minha família:
   _Como você cresceu meu menino! Já é um homem!_diz alegremente minha mãe.
   _Nosso filho é lindo! Puxou ao pai!_meu pai diz com a voz meio brincalhona.
   _Nós te amamos Lucas,nosso filho que nos dá mais orgulho!
   Filho que nos orgulha,isso não me surpreende, afinal,sou apenas um peso nas costas de todo mundo,ou uma sombra que ninguém vê e ninguém nota.
   As horas passam voando e a noite toma conta de toda casa, guardo a lâmina enquanto observo o sangue já seco em minha coxa. Me levanto e saio do quarto,estou muito fraca.
   Quando chego no corredor dou de cara com meu irmão,ele olha no fundo dos meus olhos com uma certa tristeza quando ele nota os meus olhos vermelhos e o sangue em minha perna, sua expressão se escurece:
   _Se quer chamar atenção,por que não se mata de uma vez?
   _Talvez  por que eu já esteja morta para vocês.
   Ele não diz mais nenhuma palavra sequer,sua expressão é indecifrável. Lucas apenas desvia seu olhar e caminha para seu quarto.
   Limpo minhas pernas e volto para meu quarto tentando ,ainda com esperanças,dormir um pouco mais.
   Amanhã será um novo dia e mais uma vez terei que colocar minha máscara de sorrisos e fingir ser outra pessoa,aliás,começarei a estudar em uma nova escola. Novos problemas, novas mágoas,novas mentiras e o mais importante,novos erros.
   Não estou nem um pouco animada, mas o que eu posso fazer? Sou apenas uma alma vaga,andando pelo mundo a fora,devo apenas fingir ser normal,pelo menos isso de bom tenho que fazer.
   Respiro fundo depois de uma hora mais ou menos,com a tentativa fracassada de dormir. Levanto-me e saio de casa em direção ao jardim.
   Subo em uma das árvores,a velha árvore já tem uns 50 anos eu acho.
   Já na altura,sentada em um dos galhos,olho de relance para a janela do quarto do meu irmão,ele está de pé e me encarando. Sua expressão continua indecifrável,algo parece o magoar e ao mesmo tempo,fazê-lo sentir ódio. Fixo meu olhar no dele e me perco nas antigas lembranças que inundam minha mente,lembro-me de quando eu quebrei o vaso de flores preferido de minha mãe,Lucas sabia que se minha mãe descobrisse que foi eu,ela não me deixaria ir para o acampamento que a escola iria levar os alunos menores,meu irmão assumiu toda a culpa por mim,mas eu tive que arrumar a cama dele por uma semana.
   Lucas e eu nos encaramos sem desviarmos o olhar. Estou tão focada em seus olhos verdes que acabo desequilibrando e caindo do alto da árvore. Quando meu corpo se choca com o chão, sinto minha visão meio turva, meu braço direito dói assim como minha cabeça.
   Segundos depois vejo uma pessoa correndo em minha direção,é musculoso,forte, assim que ele se aproxima, posso ver que essa pessoa é meu irmão.
   Assim que Lucas tenta me pegar no colo,não consigo evitar soltar um grunhido de dor, ele recua por um momento mas enfim me toma em seus braços e me leva para dentro.
   Não sei para qual cômodo ele está me levando,mas logo descubro assim que sinto o cheiro de seu perfume por todo local,estou em seu quarto,não entro aqui a anos.
   Meu irmão me deita em sua cama e acaricia meio receoso o meu rosto;com as costas de sua mão.
   Sinto o sono me invadir,não sei como já que estou quase morrendo de dor,tento me manter acordada,mas a tentativa é inútil e acabo adormecendo,as últimas palavras que ouço é:
   _Durma bem,isso irá ajudar a amenizar a dor.

  
  
  

Ensina-me a voarDonde viven las historias. Descúbrelo ahora