Capítulo 1

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POV Eduardo

- Filho? Meu Deus, o que está fazendo? Largue isto! – Meu pai arranca a arma da minha mão menos machucada – Como conseguiu encontrá-la com os olhos enfaixados?

- Estava no mesmo lugar de sempre – tateio em volta sem nada encontrar - Me deixa, pai. Não tenho porque viver. Não posso mais tocar e nem vejo direito.

- Não fale assim, meu filho. Acabei de falar com o médico. Eles farão uma nova cirurgia, você voltará a enxergar – sinto a esperança em sua voz, mas eu já não tenho nenhuma.

- Não deu certo da primeira, por que funcionaria agora? – não consigo e nem quero esconder minha amargura.

- Ele me disse que desta fez será um sucesso. Mas você precisa colaborar, meu menino. Por mim, por favor, não desista – não sei por que tanta angústia agora, nunca ligou para mim antes. Desde que mamãe morreu, ele vive apenas para sua empresa.

- Tudo bem, pai. Ele deu uma data? – com ele por perto, não poderei levar meus planos adiante. É melhor me conformar e esperar outra oportunidade.

- Amanhã à tarde.

- Está certo. Agora vou para meu quarto, quero ficar sozinho – caminho com dificuldade, com receio de trombar em algo. Foi difícil chegar até seu escritório, apenas meu desespero para me guiar.

Na solidão do meu dormitório, relembro o acidente que me deixou imprestável como estou agora. Era noite e estava voltando de um concerto, com meu amigo violinista Mauro. Eu dirigia e ele me contava seus planos de pedir a namorada em casamento. Não consegui evitar que o carro se chocasse conosco após ultrapassar o sinal vermelho. O motorista era um universitário bêbado que não respeitou a sinalização.

O rapaz faleceu no local. Mauro ficou dois dias internado, porém não resistiu aos ferimentos. Não pude ir ao seu enterro, mas imagino quão doloroso foi. Na escuridão que minha vida se tornou, fico imaginando sua namorada chorando ao lado do caixão, o desespero de sua mãe...

Apesar de todos dizerem que eu fui apenas mais uma vítima de um motorista alcoolizado, ainda assim me culpo. Eu pedi para dirigir seu carro, pois estava com vontade de comprar um parecido. Se estivesse sentado em seu lugar, seria eu morto agora. Ele tinha tantos sonhos, uma linda namorada que o amava, uma família grande e feliz, não merecia morrer. Eu não tenho ninguém além de meu pai, mas ele não precisa de mim, não faria falta.

Como resultado do acidente, machuquei minhas mãos, fraturando a esquerda, quebrei várias costelas, e sofri deslocamento de córneas com a pancada que levei na cabeça. Fiz uma cirurgia para corrigir, mas minha visão não voltou totalmente, então repetirão o procedimento.

O médico disse que, talvez, poderei ter meus movimentos nas mãos de volta, mas serão necessárias paciência e muitas sessões de fisioterapia. Diga-me, como um pianista pode sobreviver sem suas mãos? Não consigo imaginar uma vida feliz sem tocar. A música é o que me move, desde pequeno. O que me consolou quando perdi minha mãe e me fez companhia na solidão que seguiu sua morte. Tornei-me famoso, mas isto nunca foi o mais importante. Não posso viver longe do meu piano e, sem ver, é tudo muito pior. Não hesitarei em tirar minha vida se não melhorar.


O primeiro capítulo foi curtinho, só para apresentar nosso protagonista. O que acharam?

Ensinando a sonhar - Livro 3 da Série SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora