Capítulo 3

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POV Eduardo

Me interno no hospital oftalmológico às 13h, estou de jejum como solicitado. Eu poderia ir de táxi ou uber, mas meu pai me acompanhou. Desde que me encontrou a um passo do suicídio, não me deixa em paz. Mesmo quando pedi para ficar sozinho em meu quarto, ele aparecia de meia em meia hora para ver como eu estava.

Não quero me render à esperança, mas não posso deixar de sonhar que esta cirurgia seja um sucesso e possa ver bem novamente. Fantasio também que minhas mãos voltarão a ser perfeitas como antes e que meu amigo não morreu.

Após o procedimento, sou levado para um quarto particular. Meu pai não poupa gastos e tenho os melhores médicos e tratamentos. Vou dormir hoje aqui, em observação, e se tudo estiver bem, receberei alta pela manhã.

Meu sono é agitado, tenho pesadelos todas as noites. Meu pai quer que eu procure ajuda psicológica, mas não quero mais uma pessoa se intrometendo na minha vida.

Pela manhã, tomo banho sozinho, dispensando a ajuda do enfermeiro, apenas peço que me mostre onde fica tudo, já que não posso ver. Uma de minhas mãos está imobilizada, mas a outra está livre e não gosto de ninguém por perto.

O médico vem me ver, acompanhado de meu pai.

- Bom dia, filho. Como se sente?

- Quebrado e cego – minha resposta seca só recebe silêncio. Após alguns pigarros constrangidos, o médico fala comigo.

- Eduardo, seus olhos logo estarão bem. Precisará mantê-los vendados por enquanto, mas daqui poucos dias, voltará a ver.

- Me disse isso da outra vez também, doutor.

- Usamos uma técnica diferente, estou certo que foi um sucesso. Agora, senhorita Inês, mostrarei como fazer o curativo.

- Inês? – será que não percebem que não posso ver, mas que ainda estou aqui? Como introduzem pessoas na conversa sem me avisarem primeiro?

- Desculpa filho, esqueci as apresentações. Contratei uma pessoa para cuidar de você e...

- Não preciso de ninguém – não permito que continue – Não sou criança.

- Mas está agindo como uma, e mimada ainda por cima. Depois daquele episódio, como pensa que posso voltar a trabalhar?

- Me desculpe, papai, esqueci que não pode ficar longe de sua amada empresa – a ironia em minha voz é palpável e posso sentir o desconforto de todos, mesmo sem conseguir enxergar.

- Você precisa de cuidados profissionais. Inês fará os curativos e cuidará de todos os detalhes que o médico prescrever.

- Que seja. Aleijados cegos não têm escolha.

- Ajudarei no que for possível, Eduardo. O médico disse que precisará seguir à risca suas recomendações e não poderá se virar sozinho nos primeiros dias. É uma situação provisória, logo terá sua independência.

A voz é muito diferente do que imaginei. Parece vir de alguém muito jovem. Há uma doçura desconcertante, que me impede de ser grosseiro novamente. Escuto enquanto o doutor explica como ela deve proceder. Sinto suas mãos me tocarem com gentileza, seguindo a orientação do médico. Seu delicado perfume me envolve e, contra minha vontade, me vejo sentindo sua falta quando se afasta.

Nos despedimos do médico e me recuso a sair do hospital numa cadeira de rodas. Meu pai toma meu braço e preferia que fosse Inês. Não me sinto à vontade com ele. Não esteve ao meu lado quando minha mãe morreu e a distância só aumentou a cada ano.

Permaneço em silêncio durante todo o caminho até minha casa. Meu pai me ignora e mantêm uma conversa banal com ela. Não presto atenção no que falam, mas a voz dela não me permite desligar de todo.

- Irei para meu quarto, com licença – digo assim que entramos.

- Espere, meu filho. Vamos mostrar a casa para Inês primeiro.

- O senhor pode fazer isto sozinho – caminho me escorando pelas paredes e os deixo no hall de entrada.

- Bem, Inês, te apresentarei tudo e depois pedirei comida para nosso almoço – ainda escuto meu pai falar, mas não ouço a resposta dela.

Alguns minutos depois, passam pela porta de meu quarto, no tour pela residência. Assusto-me ao perceber minha frustação por ela não ter entrado. O que está acontecendo comigo? Será que sou tão solitário que uma voz bonita e mãos delicadas já me perturbam? Irrito-me com este pensamento. Sou mesmo patético.

Sou chamado para o almoço e vou contra minha vontade, mas sei que meu pai não aceitará um não como resposta. Um aroma delicioso me guia até a sala de jantar. Sento-me no meu lugar habitual. Sr. Amauri me diz onde está tudo e que já serviu meu prato, mas sem ver e com apenas uma das mãos, é complicado me alimentar.

- Eu te ajudo, Eduardo – ouça aquela voz que não sai de meus pensamentos ao meu lado.

- Não precisa, posso me virar sozinho – a quem eu quero enganar?

- Deixe de bobagem. Estou aqui para isso. Agora abra a boca – Seu tom não permite réplica, apesar de ainda manter a gentiliza. Sinto-me ridículo, mas obedeço.

A comida está maravilhosa, meu pai acertou o restaurante. Como tudo e peço mais. Pareço um garotinho sendo tratado pela mãe, mas o constrangimento passa ante sabores tão deliciosos.

Inês inicia uma conversa sobre a cafeteria de sua mãe. Pelo que entendo, a D. Mercedes, secretária de meu pai, é cliente assídua.

- Se sua mãe cozinhar como você, menina, quero ir até seu estabelecimento.

- Foi você que fez o almoço? – não resisto a perguntar.

- Sim, seu pai ia pedir comida, mas gosto muito das panelas.

- Está muito boa, parabéns – não posso deixar de elogiar. Não comia tão bem há meses.

- Combinei um aumento no salário para que cozinhe para nós no período em que estiver aqui.

- Nem precisava, Sr. Amauri. Não é trabalho algum.

- Mas é justo, menina. Não discuta. Após o almoço, ficarei com Eduardo enquanto você vai até o supermercado comprar tudo o que precisará.

- Tudo bem. Há algo que desejem comer?

- Fique à vontade e não se preocupe com os gastos.

Termino meu almoço e ainda tem sobremesa. Há quanto tempo está casa não vivia uma situação assim?


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Ensinando a sonhar - Livro 3 da Série SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora