Capítulo 6

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POV Inês

Chego em casa após meu primeiro dia de trabalho e vovó me recebe ávida por novidades.

- Me conta, minha neta. Como foi com o pobre homem? Ele te aceitô?

- O Eduardo está muito ferido, não só no físico, mas emocionalmente também. Mas me recebeu melhor do que eu esperava, pelas coisas que a Mercedes nos contou.

- E como ele é, menina?

- Lindo, vovó. O rapaz mais bonito que já vi. Mas me lembrou o seu Sr. Magalhães.

- Oxente! Que meu, menina. Não vai começá buli comigo também.

- Não resisti, vovó. Vocês vivem grudados e só fala nele.

- É meu amigo, oxe! Mas num me disse no quê eles são parecidos.

- Eduardo é teimoso, não queria meus cuidados no início. Lembrei-me da senhora com o Sr. Magalhães quando estava doente e fiz igualzinho, mandei e pronto. Não deixei margem para retrucar.

- Muito bem, minha neta. Cabresto curto. E funcionô?

- Claro, aprendi com a melhor.

Vou para meu quarto ainda rindo da vovó. Meu celular toca e é minha melhor amiga.

- Boa tarde, flor, tudo bem? Vamos a uma festa hoje? – Nem me deixa falar e já continua – o Douglas estará lá e me convidou. Sabe que eu sou louca por ele há décadas, não vou perder a oportunidade.

- Oi, Kátia. Não posso ir com você, amiga. Comecei no novo serviço hoje e tenho que acordar cedo.

- Sabia que teria uma desculpa, sempre arruma um motivo para não ir comigo.

- Você me conhece, sabe que não me sinto bem nessas suas festas.

- Bem, eu adoro e vou, até porque não ficarei sozinha.

- Kátia, esse tal de Douglas não é o maior safado da faculdade? Tem certeza que quer se envolver com ele?

- Te amo, flor, mas você é certinha demais. Ele é gato, está afim, eu também, qual o problema?

- Devo ser boba, mas prefiro que haja sentimentos. Quero estar com alguém que realmente goste de mim.

- Também quero, mas enquanto esse príncipe encantado não aparece, me divirto com os gatos disponíveis.

- Você quem sabe, mas toma cuidado.

- São só uns beijos, não se preocupe. Falo muito, mas na hora, fujo.

- Tem falado com o Luís?

- Estou evitando ele, tenho que confessar.

- Ele gosta tanto de você e é tão legal... – Nosso amigo é apaixonado por ela desde o início do ensino médio, que cursamos todos juntos, mas ela nunca deu uma chance sequer.

- Não quero magoá-lo, mas ele é só um amigo para mim, não consigo vê-lo de outro modo.

- Melhor não iludi-lo mesmo. Mas seria ótimo se ficassem juntos...

- Não estou te vendo, mas imagino os olhos sonhadores. Acorda, flor, isto aqui é a vida real.

- Está certo. Boa festa e juízo.

- Te ligo depois para contar. Mas você não me falou do serviço novo. Como foi?

- Bem, é uma história triste a do Eduardo, mas tenho esperança que ele fique bem.

- E como ele é?

- Lindo e amargurado.

- Parece que saiu de um daqueles livros de romance que você lê. Você pode ser a mocinha que trás a alegria e o amor para sua vida.

- Depois sou eu que sou sonhadora.

Desligo depois de me despedir e vou tomar banho. Deito-me cedo, mas não durmo logo, pois meus pensamentos insistem em ficar focados no Eduardo.

Pela manhã, passo na padaria para levar alguns croissants fresquinhos. Fiz pão ontem à tarde, mas Eduardo comeu bastante e não sei se haverá para o café.

Após lavar a louça, o convenço a dar uma volta. Nos sentamos em um banco na praça e retomo nossa leitura.

- Entendo o medo da Kestrel em machucar as mãos. Veja meu caso, não voltarei a tocar – ele comenta em determinado trecho do livro.

- Não foi o que seu pai me disse.

- Ele pensa que a operação foi bem e que bastarão algumas sessões de fisioterapia. Mas não acredito.

- Por que não?

- É necessária muita agilidade nos dedos para o piano, uma mão entrevada não conseguirá tocar bem. Não vejo como poderei ter a mesma habilidade de antes.

- Mas nem tentou ainda. Já vai desistir?

- É difícil, muito trabalho para pouco resultado.

- Não acredito que se entregará tão fácil, sem lutar. E mesmo que seja impossível voltar ao que era, há outras opções na vida.

- Estar proibido de fazer o que mais amo é morte para mim. E mesmo que eu resolvesse tentar encontrar algo para substituir, nem enxergar eu posso.

- Estou te achando muito fatalista, Eduardo. O doutor me disse que voltará a ver assim que tirar as bandagens. É questão de dias.

- Ele já disse isso antes – seu pessimismo me irrita, ao mesmo tempo que comove.

- Você tem outros sentidos, além da visão, pode desenvolvê-los. Não está morto, bem pelo contrário.

- Não me tornarei o Demolidor, se é o que está pensando. Só nos filmes que alguém cego pode viver como ele.

- Vamos voltar para sua casa. Tenho umas ideias para tentar te tirar dessa depressão – arrasto ele de volta e o sento na cozinha. Entrego um kiwi para ele e peço que me diga o que é.

- Sei lá, uma bola de tênis? – me responde sem nem mesmo tentar de verdade. Percebo sua relutância, mas não me darei por vencida.

- Use seus outros sentidos. Cheire. Prove.

- Um kiwi. Satisfeita?

- Agora este? O que é? – e coloco em suas mãos uma goiaba.

- Não sei – sua má vontade está me enervando.

- Pensei que fosse um cara inteligente. Mais uma chance – ele suspira e cheira a fruta.

- Uma goiaba. Feliz agora?

- Ainda não, prove e me diga o que é e quais são os ingredientes - lhe dou uma salada de frutas. Ele prova e enumera todas, mas esquece-se da laranja.

- E o caldo, é suco de que fruta?

- Laranja – responde de pronto.

- Muito bem. Viu como foi fácil.

- Isso não prova nada. Mantenho meu paladar e daí?

- Eduardo, se ajude, por favor. Custa cooperar? Esta foi apenas uma pequena amostra de que ainda está vivo, que sente, cheira, saboreia. Não entregue os pontos.

- Tudo bem, talvez tenha razão – diz, mas ainda apresenta um ar derrotado. O que posso fazer para animá-lo?


O que acharam da técnica da Inês? Será que vai funcionar?

Ensinando a sonhar - Livro 3 da Série SonhosDonde viven las historias. Descúbrelo ahora