3.Jacob

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— Poupa-me dessa ladainha. Poupa-me. — Quero mandá-lo pro inferno. Estou atarefado até o próximo mês e de arremate surge Russell bêbado, esfomeado e inconsolável.

Tenho quatorze horas de serviço diário, outras quatro de humilhações, ele vem me ocupar três com lamúrias. Quanto restará para dormir, comer e ter meus próprios assuntos?

— Avisei que Pauline não estava ao seu alcance. É melhor que tenha terminado somente com coração partido e não a cara. Ainda teve sorte da Sra.Smith não ter de delatado.  — Sejamos sinceros, Russell é meu amigo, mas não tem nem meia libra. É grande, pobre e terrivelmente azarado.

Azar que atingiu o ápice com o desabamento de uma estrutura de madeira que lhe partiu o osso e levou a mão direita embora quando ainda era uma criança. 

Por poucos meses foi um entre centenas de anônimos a construir navios. O acidente precoce o tornou ainda mais "descartável", pois arrastava também o estereótipo da inutilidade.

Por sorte do destino caiu nas graças do Sr. Watson durante uma visita de caridade na enfermaria dos desvalidos e ganhou serviço como aprendiz de jardineiro. 

Então o que faz em seguida? Por alguma razão que não consigo racionalizar o idiota se encantou pela filha do próprio benfeitor.  Pauline me parece fútil, estúpida e etérea demais para fazer homens de carne e osso terminarem rendidos de amor.

— Ninguém gosta de quem atormenta com 'eu avisei', ninguém.  — Diz Russell.

— Dupla de inúteis. Aproveite que tá de vadiagem e ajude seu amigo a atender aquela puta. Ajude desaparecendo. — Vocifera meu patrão, Raymond Green que chega sem avisos ou educação.  O sujeito nos retirou do orfanato muito tempo atrás, mandou Russell para área das docas construir navios e me manteve após constatar que tenho talento genuíno para alfaiataria.

O tolero por hábito, por não ter intenção de afundar em uma fábrica e principalmente por culpa da maldita forca que me freia os ímpetos. Perdi a conta de quantas vezes matei esse miserável em sonhos.

— Héléne Cox, a puta, é mais responsável pela sua boa vida do que a corte inglesa e todos os santos. Deveria chamá-la de Vossa Excelência ou magnânima dama. —

Russell e a maldita boca que se move mais rápido que o cérebro.

O sr. Green tenta acertá-lo com a bengala e fica ainda mais irritado quando o alvo desvia facilmente, nós dois possuímos experiência em escapar dos ataques de Green. E não é qualquer um que pode derrubar um homem de dois metros de altura extremamente habituado a serviço pesado. 

— Suma daqui antes que chame a polícia. —

Meu amigo me saúda como se eu fosse seu capitão e sai pela porta da frente, para pânico completo do Sr.Green que o jura de morte caso volte a colocar os pés na alfaiataria. Pelo estado que fica tenho certeza absoluta de que cumpriria a ameaça. 

Volto a trabalhar lamentando que desapareceu antes que pudesse avisá-lo que precisava desistir de Pauline Watson, pois terminaria sendo retirado do esgoto inchado e com dois tiros no peito caso fosse descoberto.

Londres inteira sabe que John Watson, o pai da criaturinha amada,  havia sido abandonado pela esposa adúltera e apesar da versão oficial ser uma fuga, o que corre pelas vielas escuras da cidade era a narrativa oficiosa de que a mulher foi estrangulada pelo marido. Verdade ou mentira por ela sabia-se que para o bem de todos o ideal era manter distância. 


⁜ 


Depois de quase duas décadas de trabalho não acumulei nem o suficiente para um negócio decente nas proximidades de St.Giles.  Tenho o suficiente para comprar uma casa, o que poder ser considerado um feito na minha pouca idade e condição de assalariado, entretanto, sou o único a garantir os clientes que importavam naquela alfaiataria dos diabos,  já deveria estar elevado a condição bem melhor, mas Raymond Green embolsa os ganhos. 

— Devias correr atrás de um patrocinador, é efetivo. Por acaso achas que paguei por esse palacete?  —  

Hélène movia o peão no tabuleiro de xadrez tão rápido como me decifra. Conto com duas vitórias, duas derrotas, vinho demais no estômago e uma improvável companhia. 

Fizemos amizade enquanto ela esperava pelos amantes na alfaiataria, sobrava tempo para conversa pois nem todos aceitavam ser atendidos por mim e no fim das contas Helene terminou por se tornar a melhor cliente do estabelecimento, uma das poucas mulheres a encomendar costura conosco.  

— Não tenho paciência para adulações, Srta.Cox e não vou aceitar seu dinheiro. —

Tirando Russ creio que cá em Londres  Hèléne é minha única amiga confiável, não quero monetizar nossa relação. 

Aceito a companhia, a conversa e o afeto, porém nunca tive intenção de fazer o mesmo com favores, nem dinheiro.

— Maldito orgulho...Green ainda acaba contigo, Jacob.—

— Já o fez e cá estamos.—

Darei  o fora de lá por minhas próprias pernas. Aguentaria uns dois ou três anos no máximo.

—Ah, ficou sabendo?  O patife do William Blake casou hoje. — 

A súbita troca de assunto me sobressaltou. O nome é familiar. Ouvi em resmungos por semanas, durante as conversas na alfaiataria e até da boca do Sr.Green,  mas patife nunca foi um adjetivo presente. 

—Patife?—  interrogo querendo arrancar detalhes.

— Posso garantir, patife. O solteiro mais cobiçado do país é um patife, entretanto, isso só se descobre em quatro paredes e não creio que o Sr.Watson se importe, já que é o terceiro maior patife de Londres. William tem tantos defeitos quanto é bonito e se algum dia chegar a vê-lo pessoalmente irá entender exatamente o que quero dizer.  

— Desde quando tem uma lista de patifes? 

— Desde que eles foram meus clientes, uma mulher precisa saber onde pisa para não acabar sem dedos.  

— Vai guardar segredo e me deixar perder os meus? —  tento arrancar alguma informação adicional para ver se isso me complementa recente descoberta. Russell me disse que Blake se tratava de um homem respeitável e esse foi o alívio de suas dores, mas o alívio iria embora caso descobrisse que a senhorita Cóx o chamava de patife. 

— 1º Viconde Falmouth,  2º  o pai de Maurice Hornblow, 3º John Watson, 4º William Blake. 

A segurança na voz e o histórico dos citados me confirmam que de respeitável Blake só tem a fama. Ser posto em quarta posição quando temos um predador de mulheres, o pai que tenta matar o filho sempre que exagera no gin e o banqueiro que supostamente assassinou a esposa para lavar a honra não o torna bom elemento. 


⁜ 

1. Comentem caso estejam gostando e agradeço a quem decidiu continuar  a leitura, é muito significativo para mim. 


2. Alterei o capítulo, adicionei diálogos entre Jacob e Hèléne, acrescentei informações sobre William e os pais de Maurice e Pauline.

ARSÊNICO (em andamento, repostando)Where stories live. Discover now