7.Daisy

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Hélène está enrolada nos lençóis, divide espaço com a pilha de correspondências e pacotes que recebi na minha última apresentação. Meu companheiro de cena, Tom Richards, fala que é falsa e perigosa. 

Não enxergo engano no sorriso que ela me dá. 

Também não me vê como um objeto exótico.

Lembro perfeitamente quando nos conhecemos, me elogiou pelo ato, pois nunca havia visto uma criatura viva morrer tão bem. Senti-me humana pela primeira vez aos dezesseis anos e foi graças aos olhos de Hèléne Cox.

— Daisy, aqui! —

Chama meu nome e me mostra o embrulho de veludo, apanho-o, retirando um par de esmeraldas.

Assim que meus dedos tocam as pedras Hélène salta da cama numa pose desmantelada por conta da crinolina do vestido, me toma das mãos as esmeraldas batendo em meus dedos como se os limpasse.

— Sua alma vale mais do que isso —

— Vale o conjunto inteiro? —

— Aí quem compra sou eu! — Responde prontamente. Tem uns olhos verdes enormes que lhe dão ar de eterna euforia.

Balanço a cabeça afirmativamente enfiando as joias no decote do vestido dela e corro para a cama de imediato.

A 'fuga' não me livra, Hélène atira a esponja do pó de arroz que eu havia esquecido de guardar.

— Vendida! — Grito imitando um orador de leilão. Deito na cama com parte do cabelo coberto por pó branco, seguro a vontade de espirrar coçando o nariz vigorosamente.

— Para mim ou para Eugene Worsham? —

Engasgo de imediato. Como? É praticamente impossível não esconder a vergonha. Ainda não o aceitei. Talvez nem o faça.

— Não hei de contar a ninguém. Discrição é o segredo do meu ofício e sou a melhor. —

Veio até onde estou, sorri branda, sinal de piedade.

Beija-me ambas bochechas.

— Só não se apegue. Ele será apresentado a uma debutante com dote gordíssimo daqui quatro anos no máximo, em dois estarão casados e infelizes, enquanto isso tu chorarás sozinha no quarto cercada pelas cartas nas quais trocaram juras de amor eterno. —

Sai sem nada acrescentar, tira as esmeraldas do decote e torna a pôr no embrulho sinalizando que retornaria o presente ao remetente.

Não ouso contestá-la, penso que tem razão,  apesar de estar errada quanto aos meus choros.

Eugene é romântico, tão romântico que às vezes fico enjoada de ouvi-lo. Ficarei aliviada quando os boatos de seu casamento circularem nos salões de Londres, da mesma forma que dei pulos de alegria acreditando que uma aliança no dedo cortaria os avanços de William Blake.

Na penteadeira onde Hélène encontrou o pó de arroz jazia uma nota aberta.

"Amada Daisy,

Esta manhã acordei a querer adorá-la, mas encontro apenas a cara ossuda de Maurice que ronca em cima do livro de História do Direito coberto de vômito seco.

Ass. Eugene Worsham, que espera pela oportunidade de venerá-la em pessoa" 

ARSÊNICO (em andamento, repostando)Onde histórias criam vida. Descubra agora