4.Pauline

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Livro-me do cheiro do álcool com um banho, troco de roupa, apago todo rastro do que meu pai tem como vergonha maior, a boemia das moças desfrutáveis.

Encontro-o fumando cachimbo sentado na cadeira de espaldar alto, a única com uma escarradeira ao lado. O semblante luminoso entrega o raríssimo bom humor e não poderia ser diferente, dá graças aos anjos por ter convencido um respeitável cavalheiro a se unir em matrimônio comigo. 

Com o histórico de mamãe, a fuga de minha última dama de companhia com o filho dos Churchill e a agitada e descompensada temporada no salão possivelmente dão fundo de razão para esse temor, entretanto, a discussão acaba sendo inevitável. 

Discorro sobre ser fato que me agradam os salões, a dança e a bebida, mas nunca fiz nada que me manchasse irremediavelmente, pra completar, deixo claríssimo que sei bem que ele e o respeitável cavalheiro fizeram o arranjo em uma casa de tolerância, onde possivelmente selaram acordo matrimonial com o tinteiro que descansava nas costas de alguma prostituta.

Papai não gosta do que ouve. Cerra o punho e se coloca de pé rapidinho, deixando o cachimbo rolar pelo tapete turquesa. Meu corpo trava, não sou do tipo que consegue correr nessas situações, simplesmente desligo e perco o controle.  Está ofendido demais para deixar a afronta passar. Detém  o golpe no ar e a centímetros do meu rosto, mais especificamente assim que a criada anunciou a chegada do convidado. 

Respiro fundo, tento disfarçar a inquietação e alívio. Terei sorte se o recém chegado lesse minha afobação como nervosismo típico de primeiros encontros. 

— É um gosto conhecê-lo, Sr. Blake. —

Sou breve.  

Fico a observá-lo sem conseguir forçar assuntos. Tem um magnetismo bastante peculiar. É o homem mais bonito que vi na vida. Os olhos muito azuis lembram o verão escaldante de Sevilha. Já a voz grave e fria combina muito pouco com o conjunto convidativo das feições perfeitamente esculpidas e que facilmente transportam para um vislumbre da Grécia homérica. 

Cumprimenta-me com cortesia e sem entusiasmo. Noto que tanto meu futuro esposo quanto papai estão mais interessados em discutir a fusão dos investimentos no banco de Dunny&Ellery, pois só depois de uns minutos discorrendo de negócios ele se volta a mim com uma afirmação que me põe à pique.

— Faz jus à fama, senhorita. —

Nesse instante os olhos de meu pai caem sobre mim. Meus músculos retesam e temi retaliação quando Blake fosse embora. Não sei de qual parte dela William fala. Poderia estar se referindo à mirabolante versão onde minha aparência me tornou uma perdida irrecuperável ou a afirmação igualmente idiota de que negociei a forma com o diabo.

— Lúcifer deve ter cobrado muito. —

Em um lar cristão tal gracejo custaria caro, só que meu pai não carrega crença alguma, compartilhamos mesmo ideal e vi ali que escolheu alargar a família entre iguais.

Tremo. William Blake mente, isso fica evidente na malícia que escorrega junto de cada palavra dita. 

Na pior das hipóteses acredita que as imensas vantagens financeiras do casamento serviriam para reparar minha honra. E nesse caso os problemas seriam grandes, a confiança pouca e o matrimônio um fiasco.

Lembro da pergunta de Russell, "não sente medo?". Estou apavorada e opto pelo caminho fácil, me fazer de boba, finjo excesso de confiança, devolvendo com um gracejo ruim.

— Não custou muito pagar. —

O assunto trava ali e rapidamente estabelecem a data do nosso casamento: duas semanas.

Um bom tempo visto que o noivado ultrapassa quatro meses, eu já possuo dezoito anos, não pretendem convidar gente fora da capital e papai tinha tremenda pressa por querer viajar para o Caribe. 

Fico sozinha na sala enquanto ambos partem para o escritório. Meu noivo tagarela  sobre precisar  de papel e tinteiro para despachar um ordenado.  

Seria bom que ele fosse pelo menos gentil como Russell, penso ao olhar na janela e vê-lo cuidando das roseiras que davam para o labirinto do jardim. Naquele instante descubro que quem eu gostaria de ter ao meu lado definitivamente não era William Blake. 

ARSÊNICO (em andamento, repostando)Where stories live. Discover now