8.William

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Não é o melhor momento para viajar, dada a crise no meu casamento por conta do mal entendido na lua de mel, para completar ainda tenho que lidar com os chiliques de Adelia.

Desço a rua de tijolos cinzas, dou noutra com igual aspecto. O odor é de merda, fuligem e suor. Estou há uns quinze minutos da catedral e nem a fumaça e construções me impedem de avistar a torre, é o único traço de 'humanidade' que vejo nessa cidade tomada por cães e é falso.

Precisei vir pela vistoria nas fábricas de algodão em Manchester e elas só deixariam de ser uma rotina assim que eu conseguisse substituir o administrador local.

O antigo atendia pelo nome de Armand Towell e foi degolado por bandoleiros quando voltava da recepção do Duque de Hilsenteger.

O que fazia um reles administrador na casa de um duque é o que sou incapaz de fantasiar, mas o desfecho só corrobora com a verdade de que o indivíduo deve conhecer seu lugar, caso estivesse em casa refazendo as malditas contas e inventários que o pagava para concluir todo santo mês estaria vivíssimo e a encher a pança das salsichas gordas que tanto gostava.

Agora não tenho administrador, darei uma indenização a viúva e Armand Towell jamais sairá do escritório às pressas fingindo buscar papelada no correio quando pela cor e urgência é óbvio que iria atrás de um penico. Um bem grande.

A carruagem para.

—Sr. Blake.—

É Barry Peakins, um mordomo cedido por um conhecido para me servir durante a breve estadia.

Apesar de não ser funcionário regular, o conheço há vinte anos e a cada encontro parece menos com uma pessoa. Inexpressivo, inodoro, monossilábico.

Aprendi a adivinhar o que tinha a dizer devido a longa convivência.

—Correspondência de quem, Peakins? —

Decifro por hábito e intuição.

Ele acena e me entrega o maço antes mesmo que eu possa terminar de pagar o condutor da carruagem e seguir para o escritório.

São de Adelia, Pauline, Eugene, Daisy, Architecture Breeze&Armington, Bank of England, Westminster Bank, Nunn & Co. A descrição sincera dos remetentes em ordem é: Meu amor, minha esposa, um belo ornamento, o patife que me enche os bolsos de dinheiro, filhos da puta que me fizeram perder dinheiro, oferta de investimento, confirmação de investimento nas minas dos Berkshire e sujeitos que se não tomo muito cuidado hão de me passar a perna muito em breve.

Primeiro resolvo os negócios, depois encomendo que o advogado ingresse com um acordo com Breeze&Armington, pois não pretendo ter perda total devido ao desabamento do conjunto habitacional dos operários que foi pessimamente levantado.

Morreram cem coitados que finalmente receberam a graça de dormir até mais tarde. Que construíssem outro e com um grande desconto.

Já Daisy retornou o conjunto de brincos e colar de esmeraldas enviadas sem nenhuma nota. Arrogante demais para uma mulherzinha tão insignificante.

Daqui dois ou três anos seria esquecida e terminaria como a puta que por vezes a vi: em franca decadência.

Começo a responder as cartas pessoais.

Pauline,

A longa ausência após um encontro tão apressado não é só questão de negócios e sim vergonha por meu trágico comportamento. Interpretei-a mal, deixei que mexericos manchassem o que deveria ser um começo para nós dois e a feri de forma vil.

Perdoa-me, pretendo remediar o desastre de nossa primeira noite.

Daquele que quer se tornar seu devoto esposo, William.

Endereço o envelope e uno as esmeraldas recusadas por Daisy. Ficariam bonitas em Pauline, é uma flor de menina.

O desenho sóbrio das peças pesariam no semblante de Adelia e já passamos da fase de trocar presentes. Ela prefere farpas. Farpas, veneno e vasos.

Tenho no pé esquerdo a cicatriz provocada pela porcelana chinesa que me arrebentou em cima no nosso penúltimo encontro.

Amada Adelia,

Peço encarecidamente que ao menos por cartas me poupe das tuas birras. Casei-me assim como tu e não faças uma oferta tão vil. Tornar-me viúvo? Acabei de contrair matrimônio e já me pedes pra dar fim na mocinha? E antes de exigir tal absurdo devias pedir ao Nilo que cuspa de volta o corpo de teu defunto para podermos confirmar essa tua viuvez.

Do que a estima e aguarda, William.

Ps: Completamos uma década este mês. Comemoraremos adequadamente em breve.

Retorno a Londres dentro de uma semana. Lá certamente descobrirei que apesar de infecta, apinhada e com o fedor que teria o inferno se ele existisse de fato ao invés de ser uma de alienação de carolas, Manchester me acalma. 

ARSÊNICO (em andamento, repostando)Where stories live. Discover now